Homenagem
 

Paulo Roberto de Castro foi idealizador, fundador e várias vezes Presidente do SINAL. Inteligência vivaz, criatividade rara, líder nato e cultura vasta foram algumas das características que o destacaram no Banco Central e o fizeram conhecido e admirado por todos.

 

O texto abaixo é de um colega seu, também militante do SINAL em São Paulo, José Carlos da Costa. Foi escrito para a primeira edição da revista Por SINAL feita após o falecimento precoce de Paulo Roberto. Em forma de carta, as palavras de José Carlos continuam a representar, para quem o conheceu, o melhor perfil de uma figura ímpar, desprendida e justa.


Mais do que sua formação acadêmica ou seus títulos, você pode conhecer, através desta despedida emocionada, quem foi o titular do nosso prêmio anual, e por que sua lembrança estará sempre ligada ao Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central.

 

Com você, Paulo Roberto de Castro, por José Carlos da Costa:


 

Paulo Roberto, meu amigo

 

Pediram-me um texto em sua homenagem, para ser publicado na revista Por Sinal. Tal texto (um artigo?), além do propósito de homenageá-lo, contaria um pouco da sua atuação à frente do Sinal. E de como você ajudou a criar e dar vida ao nosso Sindicato. Bem, era essa a intenção. Não deu, porque falar de você é o mesmo que falar do SINAL, é falar de duas trajetórias que se confundem.


 

Com isso em mente, pensei em fugir do formalismo e do risco que se corre de ser ou piegas ou seco e direto demais num texto "homenagem". Não queria ficar preso à rigidez da forma e ao conteúdo. Resolvi, então, escrever esta carta, falar diretamente com você. E como falar agora sem emoção? A emoção foi a marca que você nos legou. Foi com emoção, muita emoção, que você passou pela vida de todos nós, seus familiares, amigos, colegas e companheiros de luta e construção da nossa Entidade representativa. E é sempre com emoção que nos lembramos de você.

 

Para que muitos também a leiam, vai esta carta publicada na revista. Não encontrei melhor modo de compartilhar sentimentos neste momento de perda, que é tão maior e dolorosa quanto possível, ao nos recordamos de seu espírito de liderança, iniciativa e generosa doação. E, para mim, é motivo de orgulho ter sido honrado, por tantos anos, com o incomparável privilégio de sua amizade.

 

Você não gostava de rituais, de formalismos, das coisas muito certinhas. Estava sempre inventando, criando opções mais simples e originais, tanto no trabalho quanto nas miudezas do viver. Espírito de liderança, trabalho de equipe, organização de eventos, a idéia do jornal, do “escambão”, dos agitos culturais, dos concursos, do “site”, desta revista... Tanta coisa passou pelo crivo da sua imaginação, do talento da sua vertiginosa inteligência e da sua formação cultural, sempre valorizando os tipos e as coisas mais características da sua Cidade Maravilhosa, com a qual tanto se identificava, mas sem deixar também de apreciar a criação regeneradora da minha, distante, como você dizia, apenas uma Via Dutra.

 

Você se foi muito depressa, meu amigo. Ficamos meio órfãos e sozinhos, mas sabendo que o exemplo de sua vida permanecerá, como um estímulo a nos impulsionar e fortalecer na luta contra as injustiças, na busca teimosa de uma sociedade fraternal e justa. O entusiasmo com que você se atirava no enfrentamento dos desafios do dia-a-dia, na política e na construção incansável do nosso Sindicato será sempre uma lição para todos nós.

 

Isso me faz lembrar que preciso lhe contar que as coisas teimam em andar de lado, se não para trás. Veja só, falávamos há bem pouco da utopia da nossa geração que “quase” aconteceu, a despeito de ter chegado “lá”. Vá lá que talvez ainda seja cedo para um juízo tão rigoroso, mas nos perguntávamos e questionávamos o processo político social que resultou num governo “popular” com uma cara tão neoliberal que nem o seu mais ferrenho opositor ousara imaginar. E você, que sempre soube de onde sopra o vento, parafraseando o filósofo, sentenciou: “Zé, a gente só conhece os homens de verdade quando eles assumem o poder”. E combativo arrematou: “Tudo bem, não liga não, a gente se organiza de novo, recomeça o trabalho e toca a vida. Um dia, com certeza, dá certo”.


 

Queria falar mais com você. Misturar um pouco as muitas lembranças, as viagens da nossa Caravana Rólidei, as caminhadas pelo centro do Rio em busca “daqueles” tesouros escondidos nos sebos, bancas e calçadas, a ida ao Caraça, a Salvador, à Barra do Piraí, à Cantareira, tantos lugares... E o seu bairro, a Glória. Onde morou o paulista Mário de Andrade e onde você era conhecido como “o professor”. Lembrar um verso de Drummond, o poeta preferido, na “Elegia 1938”, que usei num longínquo cartão de Natal para defini-lo, e que – depois você me disse – encorajou ainda mais nas lutas que travou:



“Coração temeroso,

tem pressas em confessar tua derrota

em adiar para outro século a felicidade

coletiva.

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego

e a injusta distribuição

porque não podes sozinho dinamitar a

ilha de Manhattan!”


 

Já que o “outro século” chegou, você até poderia falar da “premonição” do poeta, mas diria também que a “obra” nefanda daqueles alucinados nada tem a ver com o que sempre acreditamos ser o motivo que nos levava adiante: o amor pelas causas da justiça, buscando sempre o bem. A despeito de o mundo continuar bem hostil ao gênero humano, e este teimosamente aferrado à tarefa de destruição (em massa?) do próprio planeta. Dessa insensatez resulta a necessidade de sermos vigorosamente fortes para resistir do jeito que você nos ensinou.


 

E como terminar uma carta como esta? Primeiro, dizendo que você faz uma falta danada. Depois, confirmar o compromisso de manter acessa a chama de seu exemplo de vida. E, assim, me despedir mandando um abraço saudoso e já sabendo que, onde quer que esteja, esse lugar estará passando por uma revolução porque, com certeza, você estará muito ocupado organizando o que precisa ser organizado, reparando o que precisa ser reparado, mudando o que precisa ser mudado, olhando por nós e dando a maior força. Lembrando-nos, por fim, a mensagem de que a nossa jornada pela vida deve ser cumprida como uma missão, com os ingredientes que você sempre abraçou: fé, amor, entusiasmo e alegria.


 

José Carlos da Costa, filiado do SINAL - SP