2003

2003

 

2005

2005

2007

2010

2012

2012

2014

2014

 

 CARTA DO CONSELHO


Um ano que não vai deixar saudade


 

 

Caixa de texto: E

A esperada palavra da nova autoridade monetária do Brasil chegou. Ilan Goldfajn conversou com a Por Sinal e revelou seu posicionamento ante questões de estabilidade financeira e monetária, bem como sobre o serviço da autarquia à sociedade, que vocês podem conferir com exclusividade na entrevista desta edição.

As reformas que o governo trabalha para aprovar no Congresso, pouco debatidas pela sociedade, ocupam o espaço principal da revista. A PEC 241, ora no Senado sob o nº 55, é dissecada em detalhes para mostrar ao leitor as várias facetas do novo regime fiscal que se pretende estabelecer, alertando a todos sobre os riscos que traz ao desenvolvimento futuro do nosso país. O economista Ricardo Piccoli, Especialista do BC e membro do Conselho Editorial da Por Sinal, assina artigo sobre os reais efeitos da proposta parlamentar de modificação constitucional.

Já a propalada reforma da Previdência, alçada como musa dos cortes de gastos públicos, é avaliada por especialistas quanto aos prejuízos à melhor idade dos brasileiros. A professora Denise Gentil é específica: “é um projeto que vai trazer o aprofundamento da recessão no país e a deterioração das condições de vida dos idosos de amanhã, que são os jovens de hoje.” Há desvio de finalidade no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social? É certo que o Brasil tem andado de marcha a ré nos dois quesitos desenvolvimentistas que dão nome ao banco público. Você poderá conhecer mais sobre o BNDES nas paginas desta edição e tirar as suas próprias conclusões.

A almejada cidadania financeira, pilar da ação do BCB, segundo Ilan Goldfajn, enfrenta barreiras pela insuficiente presença bancária em muitos dos rincões deste imenso país. Situação que é agravada pelo fechamento de postos de atendimento nas localidades em que os bancos não contam com segurança adequada para funcionar. Este preocupante quadro é analisado na matéria “Quem paga a conta?”

Mais além do dinheiro, o professor Aldomar Santos, também Especialista do Banco Central e integrante do Conselho Editorial da Por Sinal, reflete sobre as reformas do ensino que tanta comoção e preocupação trazem a pais e estudantes.

Última edição de 2016, a Por Sinal chega aos leitores com a esperança de novos tempos de um Brasil mais próspero e justo com seu povo, que esperamos compartilhar com vocês.
A equipe da Revista Por Sinal deseja um feliz 2017 a todos. Boa leitura!



 


SINDICATO NACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL (SINAL)


CONSELHO NACIONAL BIÊNIO 2015/2017

 

Presidente
Daro Marcos Piffer

Belém

José Flávio Silva Corrêa

Brasília

Rita Girão Guimarães
José Ricardo Costa e Silva
Gregório Alberto Saiz Lopes
Josina Maria de Oliveira

Belo Horizonte

Renato Fabiano Matheus

Curitiba

Enrikson Antonio Falabretti

Fortaleza

Francisco de Assis Tancredi Soares

Porto Alegre

Ricardo Luis Piccoli

Recife

José Milton Bezerra

Rio de Janeiro

Sergio da Luz Belsito
João Marcus Monteiro
Marcos Antonio da Silva Lopes
José Aloísio Guimarães Sanches

Salvador

Epitácio da Silva Ribeiro

São Paulo

Eduardo Stallin Silva
Natalino Yoshimi Sakamuta
Semiramis Ensel Wizentier


 

 

DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL BIÊNIO 2015/2017

Presidente
Daro Marcos Piffer

Secretário

Epitácio da Silva Ribeiro

Diretor Financeiro

Ivonil Guimarães Dias de Carvalho

Diretor Jurídico

Jordan Alisson Pereira

Diretor de Comunicação

Iso Sendacz

Diretor de Assuntos Previdenciários

José Vieira Leite

Diretor de Relações Externas

Paulo Lino Gonçalves

Diretor de Estudos Técnicos

Mauro Cattabriga de Barros

Diretor de Qualidade de Vida

Márcio Silva de Araujo

Diretora de Ações Estr
atégicas
Rita Girão Guimarães


EXPEDIENTE ANO 14 NÚMERO 53 NOVEMBRO 2016


Por Sinal

Revista do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central do Brasil


Conselho Editorial

Aldomar Guimarães dos Santos, Clovis de Lima Barbosa Junior, Daro Marcos Piffer, Iso Sendacz, Mauro Cattabriga de Barros, Nehemias Monteiro Junior, Ricardo Luis Piccoli, Rubens Gandelman


Secretária: Sandra de Sousa Leal

SCS Quadra 01 – Bloco G sala 401 – Térreo

Ed. Baracat – Asa Sul – Cep 70.309900 – Brasília – DF

Telefone: (61) 33228208

nacional@sinal.org.br

www.portal.sinal.org.br

Contato com a Por Sinal: porsinal@sinal.org.br

 

 

Redação

Coordenaçãogeral e edição: Flavia Cavalcanti (Letra Viva Comunicação)

Reportagem: Jefferson Guedes, Carmen Nery e Elane Maciel
Diagramação: Tabaruba Design

llustrações: Claudio Duarte
Impressão: Impressão: Ideal Gráfica e Editora Ltda
 Tiragem: 8.000

Assessoria de Comunicação do Sinal Nacional: Rapport.
www.rapportcomunica.com


Permitida a reprodução das matérias, desde que citada a fonte.

O Conselho Editorial não se responsabiliza pelas opiniões expressas nos artigos assinados.



 


 

 

O MAPA DA CRISE FISCAL

GOVERNO E OPOSIÇÃO DIVERGEM NOS DIAGNÓSTICOS E NAS RECEITAS. PARA O PRIMEIRO, SÓ O CONGELAMENTO DOS GASTOS TIRA O PAÍS DO CAOS. PARA A OPOSIÇÃO, A PEC VAI APROFUNDAR A CRISE, COMPROMETENDO OS SERVIÇOS SOCIAIS E A MÁQUINA PÚBLICA. A GUERRA FOI DEFLAGRADA.

 

JEFFERSON GUEDES
 

O discurso que prega a austeridade fiscal como o único caminho para recuperar a economia nunca esteve tão forte. A PEC 241, já no Senado como PEC 55, está em vias de ser aprovada no Congresso como o exemplo mais acabado dessa narrativa. A proposta, chamada de “Novo Regime Fiscal” (NRF), estabelece o congelamento das despesas primárias por 20 anos baseado na correção das despesas do ano anterior por meio do IPCA. Desta forma, o projeto de emenda constitucional ignora algumas variáveis, como o crescimento do PIB, e desmonta dispositivos constitucionais importantes, como aqueles que vinculam os recursos de educação e saúde ao crescimento da receita corrente líquida.

 

Pelo que se viu até a votação na Câmara, a toque de caixa, é praticamente inexistente o debate público sobre a matéria. É verdade que, no final de outubro, os primeiros protestos contra a PEC ganharam as ruas. Até então, a dupla Temer/Meirelles vinha sustentando sem qualquer contestação a tese de que só a PEC 241 livraria o Brasil do caos. A oposição, que parecia prostrada, subverteu o discurso governista ao lançar a hashtag #PECDoFimDoMundo, sinalizando que a proposta é o fim da educação, da saúde e da assistência social nos moldes definidos pela “Constituição Cidadã” de 1988. A hashtag fez muito sucesso nas redes sociais a ponto de ter ocupado o primeiro lugar nos trending topics do Twitter.


O BRASIL ESTÁ QUEBRADO?

Com algumas variações, esse é um discurso que ganhou força na sociedade nos últimos dois anos devido à recessão que estamos vivendo. A questão é fazer o diagnóstico preciso, ou seja, entender se o Brasil está mesmo quebrado por conta de uma crise conjuntural e, a partir daí, propor os remédios certos. É justamente nesse ponto que há divergências, sobretudo porque a própria narrativa da crise está em disputa, mesmo entre as forças políticas que dão sustentação ao governo Temer.
O economista Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro dos governos Sarney e Fernando Henrique Cardoso, afirma que os economistas liberais inventaram uma crise fiscal estrutural para dar suporte ao processo de impeachment de Dilma e assim criar as condições políticas que permitam implantar o Estado mínimo. O discurso apocalíptico em torno da PEC 241 seria um exemplo de como o governo Temer surfou nas ondas da crise para apresentar o seu projeto de Estado. Sem a PEC 241, afirma o Planalto, teríamos novos rebaixamentos da nota do Brasil pelas agências de classificação de risco e ainda corríamos o risco de a dívida pública explodir. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chegou a dizer que só a PEC 241 salva o Brasil de ficar como o Haiti.
Mas, afinal, os números são compatíveis com tais previsões? Como pode estar quebrado um país que, segundo dados do Banco Central divulgados em agosto, possuía reservas internacionais de US$376,9 bilhões, que superavam com folga toda a dívida externa, na casa de US$ 338,8 bilhões? No frigir dos ovos, o país poderia saldar todo esse débito e ainda seria credor externo líquido em US$ 38,1 bilhões.
Estes números passam para a comunidade internacional a imagem de fortalecimento de liquidez interna, pois a acumulação de reservas ajuda o governo a enfrentar ataques especulativos que poderiam agravar as crises financeiras. Aliás, é justamente a liquidez cambial a âncora do acordo bilateral que o Brasil fechou com o FMI em outubro. Um dos termos do acordo estabelece que o país possa emprestar até R$ 10 bilhões ao Fundo. Ora, um país quebrado tem condições de emprestar dinheiro a uma entidade que sempre “socorreu” o Brasil?

Por sinal, o último “socorro” do Fundo aconteceu em 2002 quando o governo de Fernando Henrique tomou emprestados R$ 15 bilhões da instituição. Na época, o Brasil recorria ao FMI porque a crise era marcada também pela fragilidade cambial. Nada a ver com a situação atual. Aliás, o mesmo FMI vaticina que o Brasil voltará a ter o oitavo maior PIB global em 2017, superando a Itália.


A NATUREZA DA CRISE
Evidentemente, há o outro lado da moeda. O déficit público de 10,38% do PIB em 2015 foi realmente assustador. O diagnóstico da crise mais ouvido na mídia, feito por economistas neoliberais, defende a instalação de um novo regime fiscal capaz de reverter os estragos causados pelos governos petistas. Na conta dos governos Lula e Dilma, a expansão dos gastos públicos além da capacidade fiscal do país, o déficit encoberto pela “contabilidade criativa” e, finalmente, o mergulho na recessão quando a bomba estourou (após as eleições de 2014) e não foi mais possível manter represados os preços das tarifas de luz e combustíveis.

A crítica aos governos petistas oculta um fato importante: Joaquim Levy é também um liberal. Foi nessa condição que ele assumiu a Fazenda, apresentando uma dura proposta de austeridade fiscal. A lógica seguida por Levy tinha um roteiro conhecido: reajustar de uma tacada só os preços defasados, liberalizar a gestão do câmbio, retirar os incentivos fiscais setoriais, eliminar o crédito subsidiado, reduzir salários dos servidores e reequilibrar a política monetária.
Levy acreditava, sinceramente, que seu pacote de ajustes estabilizaria a economia e reverteria as expectativas negativas do setor privado. A senha para recuperar a confiança estava no discurso (e na prática) do ministro em favor de um rígido controle do gasto público. Mas a vida é real e de viés, e não faltaram vieses.


O tarifaço de eletricidade e combustíveis atingiu também as empresas que, nos planos do governo, seriam o motor da recuperação econômica.
Outro fator de desequilíbrio veio da gestão do câmbio. Ao dizer que não iria intervir de forma incisiva para segurar a desvalorização do real, Levy ofertou sangue a esse tubarão chamado mercado. Os investidores resolveram então topar a quedadebraço com o BC, convencidos dos ganhos que teriam com a rápida desvalorização do real. Estavam certos, pois o dólar saiu da casa de R$ 2,65, em 31 de dezembro de 2014, para R$ 3,97, em 30 de setembro de 2015. A desvalorização de mais de 50% do real gerou um prejuízo ao Banco Central da ordem de R$ 89,7 bilhões.

 

Neste cenário turbulento, desemprego e inflação dispararam sem que os agentes econômicos recuperassem a confiança. E olha que o governo fez um esforço gigantesco “dentro de casa”: afinal, suas despesas primárias registram queda real de 2,9% no ano passado. Ainda assim, as receitas despencaram e o déficit público cresceu.


A “GASTANÇA FEDERAL”
Diante deste fracasso retumbante, urge a pergunta: é correto atribuir a crise fiscal à “gastança desenfreada” do governo federal? Responder a esta pergunta é a prova dos nove para a PEC 241.
A sociedade costuma associar a “gastança” pública aos prejuízos causados direta ou indiretamente pela corrupção. Os valores, é verdade, não são pequenos. As estimativas projetam perdas que vão de 1,4% a 2,3% do PIB por conta de propinas, superfaturamentos e tráfico de influência. Ainda que o número mereça atenção, porque afinal toda a sociedade exige uma administração ética e transparente, não podemos adicionar uma rubrica “corrupção” quando se discute o Orçamento da União.

 

É preciso considerar, prioritariamente, os números oficiais dos gastos públicos. O economista e pesquisador do Ipea Sérgio Gobetti, que faz trabalhos sistemáticos sobre as contas públicas, publicou em abril de 2016 um robusto estudo chamado “Uma Radiografia do Gasto Público Federal entre 2001 e 2015” em que mostra uma realidade bem diferente daquela imaginada pelo senso comum. A ideia de um governo inchado, que gasta principalmente com o pagamento dos seus funcionários e tem muita gordura para cortar, não se sustenta.

 

“A maior prova de que não existe essa gordura é que em momentos de ajuste fiscal, como o atual, o governo sempre acaba cortando os investimentos públicos e outros gastos essenciais para a sociedade”, afirma Gobetti.

Segundo o pesquisador, as pessoas têm duas ideias equivocadas sobre o assunto. A primeira delas é supor que a maior despesa do governo é com salário e aposentadorias dos servidores públicos. A segunda é acreditar ser este o gasto que mais cresce. “Nem uma coisa nem outra são verdades: o gasto com servidores representa menos de 17% do gasto primário e cresce menos do que os demais gastos”, explica.

A despesa de maior peso é aquela relativa aos benefícios previdenciários e assistenciais. Nessa conta estão as aposentadorias, pensões e auxílios do INSS, que custam R$ 440 bilhões por ano, os benefícios para idosos e deficientes de baixa renda, que custam R$ 42 bilhões, o abono salarial e segurodesemprego, que somam R$ 50 bilhões e, por fim, os valores despendidos com o Bolsa Família (R$ 26 bilhões). No total, as despesas de seguridade superam a cifra de R$ 550 bilhões por ano. Somente a conta dos juros da dívida, que não entra no cálculo do superávit primário, é da mesma ordem de grandeza.

Um fato, neste particular, chama atenção: desde 1999, a conta dos benefícios sociais cresce a taxas superiores ao PIB. Ainda assim, os governos que se sucederam conseguiram manter resultados fiscais positivos, por meio aumento da carga tributária ou com o crescimento mais acelerado do PIB (com destaque para o período que vai de 2006, último ano do primeiro mandato de Lula, até 2011, início do governo Dilma).

A partir de 2012, o cenário se alterou sensivelmente. A combinação de baixas taxas de crescimento econômico com as desonerações tributárias foi decisiva para a queda significativa dos resultados fiscais, mesmo que a taxa de expansão das despesas no período tenha caído. Só em 2013 a perda de arrecadação, por conta das desonerações de tributos, foi de R$ 73,7 bilhões. O pico das renúncias fiscais ocorreu em 2015 quando atingiu a impressionante cifra de R$ 104,7 bilhões.

Por tudo isso, Gobetti avalia que a crise fiscal por que passa o país está mais relacionada a uma forte queda na arrecadação, fruto da desaceleração econômica, do que à expansão dos gastos primários. Sendo assim, não é necessário ser um PhD em Economia para supor que há algo de errado na PEC 241, já que o foco da proposta é o congelamento das despesas primárias por 20 anos.



A LÓGICA DO TETO GLOBAL
Os defensores da PEC 241 argumentam que as nações desenvolvidas também usam um teto para os gastos públicos. Em debate recente promovido pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, a professora de Economia da USP Laura Carvalho relativizou esta informação: “Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua Constituição.” 

Sérgio Gobetti tem posição semelhante. Embora considere positiva a ideia de um teto, o economista discorda do teor da PEC 241: “O teto proposto pretende eviTar que o gasto cresça acima da inflação, o que é algo muito restritivo. Lembremos que o gasto público vinha crescendo 4% ao ano acima da inflação e a proposta de teto pretende reduzir esse ritmo para zero. É uma guinada muito radical e temerária, porque deverá implicar o aniquilamento dos investimentos públicos e a redução dos gastos sociais. Veja: não precisamos reduzir os gastos em proporção do PIB, mas apenas impedir que continuem crescendo acima do PIB.”

Ele entende que seria razoável estabelecer um teto com base no crescimento médio do próprio PIB, o que significaria estabelecer um máximo de 2% a 3% de crescimento real ao ano e não zero como propôs o governo.

Bresser Pereira faz uma proposta semelhante. Ele defende que o parâmetro para o teto seja a porcentagem do PIB verificada nos dois últimos anos. “Toda a despesa pública estaria nessa porcentagem do PIB, inclusive os juros pagos”. Isso faria uma diferença bastante significativa, pois a exclusão dos juros da dívida do teto indica claramente que a

PEC 241 mira somente os gastos sociais. No caso da saúde, um dos grandes problemas da PEC, segundo a deputada Jandira Feghali, é que as despesas do setor crescem acima da inflação. Há várias explicações para isso. Déficit de leitos hospitalares, valorização do dólar (que influencia o custo de remédios e equipamentos), aumento do número de pessoas idosas e também a pressão dos médicos para elevação dos seus honorários. Se o teto considerasse o crescimento médio do PIB, haveria uma margem de segurança capaz de fazer frente à chamada “inflação médica”.

Na lógica do teto global desconectado do crescimento do PIB, como está previsto na PEC 241, haverá forçosamente uma realocação de gastos que irá comprometer tanto os serviços sociais quanto a máquina pública. Levando em conta que algumas despesas (como os benefícios previdenciários) tendem a crescer acima da inflação, os demais gastos (como Bolsa Família e investimentos em infraestrutura) precisarão encolher de 8% para 4% do PIB em 10 anos e para 3% em 20 anos.
A contrapartida dessa tragédia? Mais uma reforma da Previdência, consolidando de vez a retirada de direitos e o aperto nas contas públicas. Só assim virá a esperada queda dos juros, que segundo os líderes do governo cairão “naturalmente” com os projetos apresentados pelo governo.

 




 

O IMPACTO DOS JUROS
Este discurso messiânico, aliás, serve de pretexto para os defensores da PEC 241 ignorarem aqueles que tentam trazer a questão dos juros para o centro do debate. Para Ricardo Piccoli, membro do Conselho Nacional do Sinal, é importante discutir a relação entre a arrecadação tributária e os juros da dívida. Ao se debruçar sobre o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2016, Piccoli verificou que, no conjunto das receitas correntes da União (R$ 1,415 trilhão), há duas grandes rubricas:

 

  • A receita da Seguridade(R$ 621,313 bilhões) que tem destino específico;

  • A receita fiscal (R$ 794,217bilhões) oriunda de impostos, taxas e contribuições diversas.

 

Ora, a mesma lei orçamentária prevê um gasto de R$ 304,099 bilhões para juros e encargos da dívida, que será bancado pela receita fiscal. Ou seja, boa parte dos impostos recolhidos de toda a Nação está servindo apenas para bancar os juros.

 

A questão é que a conta juros não para por aí. As perdas que o Banco Central tem com os contratos de swap cambial (aquela quedadebraço que a instituição faz com o mercado em torno do preço futuro do dólar) são zeradas com operações compromissadas de títulos da dívida pública, que pagam juros Selic. No ano passado, as operações de swap deram um prejuízo de R$ 90 bilhões, incorporado integralmente ao custo de rolagem da dívida. O quadro na página 9 dá uma ideia de como esse prejuízo vem crescendo.

Se os swaps cambiais fossem desconsiderados, a despesa com juros teria passado de 5,3% do PIB em 2014 para 6,8% em 2015. Com os swaps, a conta de juros atingiu a impressionante marca de 8,5% do PIB. E se observarmos os resultados de janeiro de 2016, a porcentagem se eleva para 9,1% do PIB. Em pleno período recessivo!

Piccoli apresenta outros números impactantes quando se compara o custo de rolagem da dívida brasileira com a dívida americana. Em 2015, os EUA gastaram cerca de US$ 150 bilhões com o pagamento de juros. O Brasil também. “A diferença é que eles têm um PIB de US$ 18 trilhões (12 vezes maior que o nosso) e uma consequente arrecadação de 12 a 15 vezes superior”, avalia.

Outro dado interessante: a parcela destinada ao serviço da dívida americana caiu para 1,4% do PIB. Entre nós, seria um sonho se regredíssemos para algo em torno de 5% (índice já registrado no governo Lula e no primeiro governo Dilma).


Nas discussões em torno da PEC 241, a deputada Erika Kokay (PTDF) apresentou uma emenda para impor um teto de 5% do PIB à rolagem da dívida. A proposta foi solenemente ignorada. Nem houve discussão sobre o tema.

Para a professora Laura Carvalho, a PEC não só não é a panaceia para estabilizar a dívida pública como pode até mesmo prejudicar sua dinâmica. Isso porque a proposta ignora os três itens que mais explicam a crise atual: a falta de crescimento econômico, a queda de arrecadação tributária e o pagamento de juros.

O próprio crescimento da dívida pública no ano passado se deve às despesas com juros. O quadro abaixo, elaborado por João Sicsú, professor do Instituto de Economia da UFRJ, mostra que o governo registrou superávit primário no período 20032013 e que só houve déficit orçamentário ou nominal devido aos juros da dívida. Já em 2014 e 2015 o setor público não teve superávit primário por conta da recessão. O estrago ganhou proporções assustadoras, sobretudo em 2015, por conta da elevação dos juros.

 



 

O que é há de estrutural aqui, na visão do economista, é que não existe déficit orçamentário quando o país registra crescimento econômico. Sicsú argumenta

que as despesas com juros são altas não porque o montante da dívida seja exorbitante, mas porque a taxa Selic é alta demais. Uma redução de apenas 3 pontos percentuais na taxa Selic geraria uma economia de 1,9% do PIB na conta de juros.

 

 

 

OUTROS AJUSTES SÃO POSSÍVEIS?
Existe um consenso de que é preciso um ajuste fiscal. Mas de que tipo? Para Sérgio Gobetti, não adianta cortar investimentos públicos ou comprimir gastos de manutenção das universidades, por exemplo, fato que já está acontecendo e que vai piorar com a PEC 241.

“Isso não ajudará em nada a equilibrar as contas e, ao contrário, pode até piorar, como parece ter sido o caso de 2015 e 2016”, avalia o pesquisador. “O ajuste que precisamos”, a seu ver, “não se faz do dia para a noite, depende de reformas e de uma espécie de pacto social que torne equilibrada a distribuição de sacrifícios na sociedade.” Para Gobetti, não é aceitável que se faça um ajuste fiscal “sem tomar qualquer medida que atinja o pessoal do andar de cima”.

É nesse sentido que a oposição defende uma reforma tributária progressiva que inclua, por exemplo, a tributação sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos. Nos últimos governos, nenhum presidente teve coragem de apresentar uma proposta capaz de ampliar a progressividade dos tributos ou mesmo corrigir as distorções existentes no sistema atual. Fica evidente a falta de alternativas fiscais sintonizadas com um projeto de país que valorize a democracia, a distribuição de renda e a preservação dos direitos sociais. Aliás, a democracia é uma das grandes atingidas pela PEC 241.

Quem diz isso é o cientista político Jessé Souza, presidente do Ipea até o afastamento de Dilma. No seu entender, a aprovação da proposta fará com que o sistema representativo, fruto do processo eleitoral, seja forçado a abrir mão durante 20 anos de uma de suas prerrogativas, que é justamente a discussão mais aprofundada sobre os rumos do Orçamento da União. Nesse sentido, a própria eleição presidencial em 2018 ficará prejudicada, pois o eleito sabe que vai pisar no Planalto de mãos atadas em função da PEC 241.


“A ausência de pluralidade de interpretações e análises na esfera pública é característica típica de regimes autoritários. Acredito que vivemos isso hoje”, conclui Jessé Souza.

 


 

 

 


 

 

OS REAIS EFEITOS DA PEC

RICARDO LUIS PICCOLI

 

PEC 241 não vai trazer equilíbrios às contas públicas. Porque, diferentemente doque sustenta o governo, o desequilíbrio nas contas públicas não é causado pelo funcionalismo público, nem pelos gastos com saúde e educação. O desequilíbrio nas contas públicas é causado pela alta carga de juros pagos sobre a dívida pública interna. Dívida que, em outubro de 2016, chega à marca bruta de R$ 3 trilhões. 

Em 2015, entre juros da dívida, operações compromissadas (juros pagos pelo BC para enxugar a “liquidez” do mercado – na verdade, um enorme sistema de remuneração overnight) e swaps cambiais, gastamos quase R$ 600 bilhões (de acordo com dados do BC e do Tesouro).
Nesse compasso, em 2016, somando as três rubricas anteriores, pagaremos mais de R$ 700 bilhões em juros (projeção feita a partir da dívida bruta e dos juros oficiais). Muito mais que o Bolsa Família (R$ 27 bilhões anuais). Muito mais que o orçamento total para a educação e saúde (R$100 bilhões, cada). Muito mais que o gasto com servidores.

A Previdência (e Assistência, não esqueçamos), rubrica boa para se manipular na justificativa de cortes, devido ao seu tamanho, tampouco é problema. Seu orçamento, na faixa de R$ 500 bilhões, de acordo com os dados do Orçamento da União, é amplamente coberto pelas contribuições (ver estudo de Denise Gentil, do IE da UFRJ). Um déficit de R$ 80 bilhões, ao ano, devido à Assistência, não poderia ser imputado a aposentados. Porém, é utilizado, sistematicamente, para mascarar os interesses em cortar conquistas sociais do trabalho, enquanto beneficia livremente as finanças.

Em 2015, as receitas correntes da União – aquelas que são receitas reais, não incluindo as receitas financeiras – chegaram a R$ 1,4 trilhão (ver Orçamento da União, site do Ministério da Fazenda). Com os quase R$ 600 bilhões

desviados ao setor rentista, perdemos de saída mais de 43% do orçamento real para os bancos e investidores estrangeiros. Dinheiro esse que não retorna à economia. É usado para concentrar capital em setores não produtivos ou enviado ao exterior. Em 2016, esse percentual chegará próximo a 50%. A PEC 241 não vai melhorar a confiança do investidor estrangeiro, como propaga nosso expresidente do BC, agora ministro da Fazenda. Não vai trazer investimento em bens de capital ou investimento produtivo em bolsa, como afirma Lia Valls, do Ibre/FGV. Essa PEC só vai atrair capital especulativo para os bancos comprarem mais e mais títulos, a taxas abusivas. Ela vai trazer de volta, apenas, a confiança do rentista e especulador financeiro interno, que paga centenas de milhões à mídia, no horário nobre da TV. Se é preciso restringir os gastos governamentais, cortando nas áreas de saúde e educação, por que então liberar os gastos com rentistas? Como os juros oficiais e os juros ao capital são estratosféricos, no Brasil, não há expectativa positiva na produção doméstica. O investidor externo já não acredita em produzir no Brasil. Se vier para essas bandas, virá para especular. Não vai investir produtivamente no Brasil, um país que dá sinais claros de que não tem política industrial e prioriza a ciranda financeira.

O capitalista industrial interno, por sua vez, já se negou a acreditar no Brasil. Prefere importar da China, país que recebe investimento produtivo externo, pois tem política industrial consolidada. Ou mandar produzir fora, aplicando suas economias em títulos do governo, ao invés de investir na atividade produtiva. O índice da Bovespa prova isso, há algum tempo. Lucros no Brasil, somente no sistema financeiro, vide lucros bilionários do Itaú e do Bradesco.

Diferentemente do que se poderia imaginar, a considerar a campanha do “pato”, o industrial brasileiro não foi agraciado com as benesses dessas medidas catatônicas da economia. Há tempo, ele deixou de investir. A Fiesp, nosso representante mor paulista do setor produtivo brasileiro, combateu ferozmente com seu “pato” quem tentou criar uma política para o setor – mesmo com as devidas e justas críticas, somadas a diversos erros. O mesmo “pato” que, hoje, desapareceu das ruas e da mídia.
O alto custo do capital no Brasil, considerando a oportunidade de investimento em títulos a 14%, assim como as altas taxas de juros ao setor produtivo, transformou nosso industrial em rentista. Basta ver as altas taxas de liquidez (títulos) que as grandes empresas mantêm no Brasil. É mais fácil explorar a Selic a 14%, sem risco, do que investir, com risco.

Mas o industrial local, ironicamente, tem uma enorme parcela de culpa nessa jogatina financeira, pois jamais se engajou em uma política progressista e vanguardista de incentivo à produção. Preferiu desistir de baixar custo do capital e se unir ao setor financeiro. Assumiu, assim, uma posição mais confortável, considerando que as finanças garantem bons rendimentos à sua liquidez, que não é investida, residindo aí o nosso grande problema de investimento.

A PEC 241 não vai melhorar nossa empregabilidade. Com juros nesse nível, que promovem a recessão, não vai favorecer o aumento da demanda agregada e, com isso, estimular o crescimento da oferta. Terá, apenas, um efeito de “expectativas negativas”, para usarmos uma expressão dos liberais neoclássicos. Aumentará o déficit de oferta, que impulsionará a inflação, que, por sua vez, impulsionará os juros, que diminuirá a oferta, que alimentará o ciclo vicioso. E esse ciclo alimentará tãosomente o rentista e financista, nas costas da força de trabalho. E buscará compensação nos direitos do trabalhador brasileiro. Aquele que não merece ter um sistema de saúde adequado, muito menos uma educação para seu filho, como aprovaria nosso deputado paulista, Nelson Marquezelli, ao afirmar que “quem não em dinheiro não deve fazer faculdade”.

 

Ao final, concluise que a PEC 241 é, simplesmente, uma maneira de apaziguar o explorador financeiro interno. Aquele que patrocinou a turma que hoje dita as regras na política. A PEC 241 não vai trazer confiança ao investidor externo, pelo contrário, suas expectativas quanto a produzir no Brasil vão piorar. Só vai trazer desconfiança e nenhuma expectativa ao trabalhador.

O Brasil não precisa da PEC 241 para ajeitar suas finanças públicas. O país precisa baixar os juros e, com isso, diminuir a dívida interna. Precisa educar e cuidar da saúde de sua população, que trabalha e gera toda a riqueza neste país. Precisa de políticas públicas industriais, de câmbio e de consumo.

 

E não vemos nada nesse sentido. Apenas articulações de um Congresso desnorteado, religioso, bovino e conservador, capturado pelo poder midiático moderno. Ou por um grupo que se refestela com a retirada de direitos do trabalho, ávido em transferir a riqueza do trabalho ao rentista, via taxas de juros oficiais.

Ignacio Rangel, há alguns anos, alertava sobre os oligopólios brasileiros. Segundo ele, a elevação autônoma dos preços decorre, historicamente, da atuação de empresas com elevado poder de concentração e que dominam a estrutura de comercialização de produtos agrícolas. O que ele falaria, hoje, nesse quadro políticosocialeconômico brasileiro no qual, além da dominância oligopolista na comercialização, temse um ambiente de poderosa dominância financeira na produção real, de dominância da racionalidade neoclássica na economia, somado ao “voracityeffect” (The VoracityEffect; Aaron Tornell e Philip Lane; 1989) na política?


(*) RICARDO LUIS PICCOLI é Especialista do Banco Central e conselheiro nacional do Sinal.

 


 

 

 

 

 

 

REFORMA AMEAÇA MODELO DE CIDADANIA SOCIAL
PROPOSTA DO GOVERNO VAI DESMONTAR O SISTEMA SOLIDÁRIO DE SEGURIDADE SOCIAL, SUSTENTADO EM CONTRIBUIÇÕES DAS EMPRESAS, DOS TRABALHADORES E DO ESTADO.

VERÔNICA COUTO

 

A reforma da Previdência Social pretendida pelo governo representa uma ruptura radical com o modelo de cidadania pactuado na Constituição de 1988. Uma mudança que, segundo especialistas, vai desmontar o sistema solidário de Seguridade Social, sustentado numa estrutura tripartite, que prevê contribuições das empresas, dos trabalhadores e do Estado. E, no futuro, tornar a aposentadoria inatingível para a maior parte dos brasileiros.


Ao contrário dos argumentos oficiais, estudos apontam que o sistema atual é superavitário. Mas seus recursos têm sido drenados em isenções concedidas a microempresas e exportadores do agronegócio, entre outros setores, e utilizados para pagamento de juros da dívida pública.

A renúncia previdenciária estimada para 2016, da ordem de R$ 69 bilhões, equivale a cerca da metade do suposto déficit da Previdência que o governo anunciou para este ano – de R$ 150 bilhões. Em 2015, só a CSLL e a Cofins, que deveriam estar financiando o sistema, somaram R$ 263 bilhões, superando em 57% esse valor. Os dados foram extraídos da publicação “Entender e defender a Previdência Social”, produzida pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, cujos textos estão assinados pelos professores João Sicsú, da UFRJ, e Eduardo Fagnani, da Unicamp.

A sustentabilidade do modelo de seguridade brasileiro também foi demonstrada pela professora Denise Gentil, autora da tese de doutorado “A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 19902005”, defendida na UFRJ em 2006. Para a pesquisadora, o modelo não precisa de reforma. Sua capacidade de sustentação futura

dependerá, contudo, de mudanças na política econômica que impliquem a promoção do crescimento associado à distribuição de renda (ver entrevista na página 21). “Os resultados dessa investigação levaram à conclusão de que o sistema de seguridade social é financeiramente autossustentável, sendo capaz de gerar um volumoso excedente de recursos”, escreve. “Entretanto, parcela significativa de suas receitas é desviada para aplicações em outras áreas pertencentes ao orçamento fiscal, permitindo que as metas de superávit primário sejam cumpridas e até ultrapassadas.”

A subtração das receitas previdenciárias para outros fins foi agravada com a ampliação – de 20% para 30% – da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo federal usar parte da arrecadação em qualquer gasto considerado prioritário para obtenção de superávit primário. Um dos efeitos perversos desse desvio é a retirada do dinheiro da aposentadoria do mercado, como destaca o professor Sicsú. A maior parte dos aposentados gasta tudo o que recebe, com remédios, aluguel, comida, transporte, etc., injetando 100% dos benefícios na economia. Já os gastos com o serviço da dívida ficam entesourados no setor financeiro, girando na compra de mais títulos.

A redução da contribuição do Estado e o aumento da participação do trabalhador no financiamento do sistema são aspectoschave da reforma que o governo está preparando. Para isso, entre outras medidas, o governo quer aumentar as exigências para a concessão de aposentadorias aos empregados urbanos – alongando o tempo de trabalho e de contribuição – e reduzir o valor dos benefícios (desvinculandoos do salário mínimo). A previsão era de que a proposta fosse apresentada à Câmara dos Deputados até dezembro, devendo ser efetivamente discutida em plenário no primeiro semestre de 2017.


A DISPUTA NO CONGRESSO
No Congresso, o debate promete ser acirrado, colocando em lados opostos concepções distintas de Seguridade Social e de projeto nacional. De um lado, a favor da reforma, a base do governo e representantes de empresas privadas, como a Fecomércio SP, que enviou em setembro sua própria proposta ao Ministério da Fazenda. De outro, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, integrada por entidades sindicais e outros órgãos de defesa de trabalhadores e aposentados, movimentos sociais e parlamentares. Segundo o senador Paulo Paim (PTRS), o objetivo da Frente é percorrer todos os estados brasileiros para organizar a resistência contra a redução de direitos. Durante o lançamento da Frente, em junho, o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Daro Piffer, ressaltou a importância de difundir o debate sobre a reforma junto à população. “Aqueles que querem fazer a reforma da Previdência mentem”, afirmou. “Temos argumentos mais do que sólidos para sobrepôlos, e nosso desafio é leválos a toda a sociedade brasileira.”


Nessa direção, a Associação Nacional dos Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) reuniu especialistas de várias áreas para propor um projeto de inclusão social a partir do atual regime de previdência brasileiro. “Teremos um projeto para ser debatido e legitimado pelos segmentos sociais”, explica Vilson Romero, presidente da entidade. “O foco é fugir da ditadura demográfica que quer impingir uma idade mínima aos brasileiros, a partir de paradigmas desfocados, como os de países da Comunidade Europeia, que têm altos índices de desenvolvimento humano.”
De fato, mesmo em economias mais desenvolvidas, a menor contribuição do Estado para a Previdência tem aumentado os níveis de pobreza na maioria dos países que reformaram seus modelos de seguridade. E já se observa, em vários países, como o Chile, um movimento de reestatização dos sistemas para socorrer trabalhadores que não conseguiram se aposentar em condições mínimas pelos novos modelos, como aponta o relatório WorldSocial Protection Report 2014/2015, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

“Sob o pretexto de assegurar a sustentabilidade das pensões e aposentadorias e a consolidação das finanças públicas, há uma pressão global contínua que visa reduzir a responsabilidade do Estado”, afirma o documento. O que significa, na análise da OIT, um “deslocamento para os indivíduos dos riscos econômicos associados à oferta de aposentadorias, minando os sistemas e reduzindo sua capacidade de prevenir a pobreza na velhice”. Como resultado das muitas reformas implantadas após a crise de 2008, o levantamento constata que os futuros pensionistas receberão pensões mais baixas em, pelo menos, 14 países da Europa (ver matéria na página 23).

FONTES DE FINANCIAMENTO
Os defensores da reforma brasileira afirmam existir déficit previdenciário na tentativa de demonstrar a falta de sustentabilidade do modelo tripartite ante o aumento da longevidade populacional. Nessa conta, somam todas as receitas das contribuições feitas sobre folha de pagamento e subtraem os benefícios pagos. Em 2015, contribuições totais previdenciárias de R$ 350,2 bilhões e pagamentos de R$ 436 bilhões resultariam em um déficit de R$ 85,8 bilhões. Ou de R$ 150 bilhões, em 2016, conforme estimativa do governo feita com a mesma metodologia, citada no documento do Sindicato dos Bancários de São Paulo.

O déficit, contudo, é contestado por especialistas, porque despreza, no seu cálculo, as demais receitas previstas na Constituição para a Seguridade Social. “O sistema é superavitário. Não há necessidade de reforma da Previdência porque a Constituição de 1988 indicou a forma de financiamento do modelo. Basta cumprila”, avalia Sicsú.

O texto constitucional, no artigo 194, incluiu a Previdência como parte da Seguridade Social, que engloba ainda saúde, assistência social e segurodesemprego, idealizada para garantir acesso da população a serviços públicos essenciais ao exercício da cidadania. Para financiar esse sistema (e a Previdência dentro dele), a Constituição estabeleceu o Orçamento da Seguridade Social (artigo 195), cujas fontes de receita abrangem, além das contribuições dos trabalhadores e das empresas, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a receita de concursos de prognósticos (as loterias). Um total, em 2015, de R$ 675 bilhões.

Em vez de déficit, o Orçamento da Seguridade Social registraria um superávit de R$ 16,1 bilhões, descontados os R$ 658,9 bilhões dos gastos com benefícios previdenciários, assistência social, BolsaFamília, segurodesemprego, entre outras despesas, segundo levantamento feito pela professora Denise Gentil (ver tabela na página 19).

O número não leva em conta as isenções de R$ 62,2 bilhões, sem as quais o saldo positivo chegaria a R$ 78,3 bilhões no ano passado. Do total que não foi arrecadado, segundo informações do Ministério do Planejamento citadas pelo jornal ValorEconômico, a desoneração da folha de pagamentos representou R$ 22,4 bilhões; as empresas do Simples Nacional responderam por outros R$ 22,4 bilhões; não recolhidos. Por exemplo, por meio de rubrica orçamentária nos ministérios responsáveis pelas políticas atendidas pelas isenções, como indústria e comércio, desenvolvimento agrário, educação, saúde, para repor os recursos. “Entendemos que deve haver incentivo a setores da economia, com formas diferenciadas de pagamento à Previdência ou isenções, em nome da melhor condição negocial. O que não pode é serem suprimidos recursos destinados à aposentadoria dos brasileiros e estes recursos não retornarem imediatamente aos cofres do INSS.” Outro engano recorrente para os especialistas é querer isolar as aposentadorias rurais, que têm baixa contribuição devido às condições especiais do trabalho no campo. Ou somar no total de benefícios pagos os desembolsos com o funcionalismo público, categoria que, pela lei, tem regramentos distintos. De acordo com a Constituição, a previdência do servidor federal não está prevista na Seguridade Social. “Nesse segmento, as reformas já foram realizadas – em 1998 e em 2012”, lembra o professor Fagnani,
da Unicamp.

No último ajuste, as aposentadorias do Regime Próprio dos servidores federais passaram a ter os mesmos limites das do Regime Geral e foi autorizada a criação de três entidades fechadas de previdência complementar, vinculadas à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp), cujos planos têm adesão opcional. O presidente Michel Temer, contudo, declarou em entrevista à Rádio CBN, em 11 de outubro, que a proposta de reforma vai igualar as regras nos dois regimes, podendo dar condições especiais apenas aos militares.


PROPOSTA DA FECOMÉRCIO SP
Mesmo entre os defensores da reforma previdenciária, reconhecese a captura de recursos que deviam servir para o pagamento de benefícios. A extinção da DRU, para que as receitas do sistema voltem à Seguridade, é uma das medidas propostas pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo. Uma das maiores federações setoriais do país, com 57 associações empresariais, a Fecomércio SP enviou ao Ministério da Fazenda seu próprio desenho de reforma da Previdência. Também prevê alongamento da idade e mais tempo de contribuição para a aposentadoria e alteração na regra de cálculo do salário mínimo, para reduzir o índice de correção dos benefícios.

 

De acordo com a legislação atual, o salário mínimo é reajustado com base na variação do PIB real de dois anos antes mais a inflação do ano anterior medida pelo INPC, do IBGE. Em vez de considerar o PIB real, a entidade quer a correção pelo PIB per capita, atrelando as aposentadorias à produtividade dos economicamente ativos. “Se o PIB real cresce menos e a população cresce mais, evidentemente que a produtividade média será menor”, justifica, em documento disponível em seu site. A mudança provocaria, por exemplo, uma redução de 1% no valor do salário mínimo de 2014. Ou menos R$ 4,5 bilhões para os gastos da Previdência, segundo a proposta.

 

Já o governo estuda desvincular do salário mínimo a correção dos benefícios. Uma mudança de impacto amplo: dos cerca de 33 milhões de beneficiários da Previdência Social no Brasil, aproximadamente 70% recebem um salário mínimo. Ou seja, sem a Previdência, estimase que mais de 23 milhões de pessoas estariam na pobreza extrema. Dados do IBGE mostram, ainda, que o percentual de pobres era de 24,2% da população em 2014, índice que, sem o pagamento dos benefícios, subiria a 37,6%, ou 77,5 milhões de pessoas.

O professor Fagnani considera um erro conceitual grave ancorar a sustentabilidade do sistema na produtividade do trabalho, em um momento em que as tecnologias da informação e comunicação estão mudando os paradigmas tradicionais da economia. Na sua opinião, um novo padrão de financiamento, com uma reforma tributária progressiva sobre patrimônio, heranças, lucros e dividendos, deveria aproveitar o aumento da lucratividade em setores que têm cada vez menos custos com pessoal. “Não se pode financiar a Seguridade Social com a base salarial fordista das décadas de 1960 e 1970. Com a quarta revolução industrial, a tecnologia de impressão 3D, os custos caíram, o lucro aumentou. E as receitas devem vir dessa produtividade, e não da contribuição empresarial sobre a base salarial.”

A Seguridade Social é o maior programa de redistribuição de renda do mundo ocidental, mantendo as economias de mais de 80% dos municípios brasileiros, sustentando cerca de 90 milhões de brasileiros que vivem do INSS, ou são dependentes de beneficiários. “Devese ter muita cautela e muito juízo ao pretender fazer alterações paramétricas tendo somente como foco as questões matemática, atuarial e orçamentária”, adverte Vilson Romero, da Anfip.

IDADE MÍNIMA E PRIVATIZAÇÃO
Atualmente, é praticamente impossível conseguir aposentadoria pelo teto do benefício, destaca o economista João Sicsú. A maioria, ou 53% do total, se aposenta por idade (60 para mulheres, 65 para homens). Apenas 29% por tempo de contribuição, e 18% por invalidez. Em média, o trabalhador urbano se aposenta com 63,1 anos, idade muito próxima à exigida nos países desenvolvidos. A média geral cai para 57,5 anos, ao incluir as aposentadorias rurais (média de 56,7), e os casos de invalidez (52,7) e invalidez por acidente de trabalho (50).

Idades mínimas de 65 anos para todos os tipos de aposentadoria foram adotadas em países como Japão, Espanha e Alemanha, onde, contudo, a expectativa de vida ao nascer respectivamente de 85,9, 82,5 e 81 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde – já era, em 2012, bastante superior à brasileira, em 2014 (de 75,2, segundo o IBGE). Em Alagoas, os homens têm a menor expectativa de vida do país, de 66,2 anos.

As dificuldades para cumprir as exigências para a aposentadoria e a menor participação do Estado no financiamento da Seguridade, com consequente redução dos valores dos benefícios pagos pelo sistema público, devem induzir as pessoas a buscar a previdência privada, tal como ocorre com os planos de saúde. Uma alternativa que, na avaliação de Sicsú, transfere recursos ao capital financeiro e apresenta maior risco para o segurado. “Ao contrário dos bancos, o governo não quebra.”

O avanço da privatização da Previdência também está na proposta que a Fecomércio SP enviou ao Ministério da Fazenda. A entidade quer o estímulo às contratações de planos complementares, por meio de campanhas publicitárias, e da inclusão de cursos de “educação financeira” nos currículos do ensino fundamental e médio, como disciplina obrigatória. Na prática, se aprovada a reforma nos

termos que estão sendo divulgados pelo governo, o Brasil será o país com mais exigências para concessão de benefícios previdenciários públicos. “Não se pode aceitar o fatalismo demográfico”, alerta Fagnani. “A população vai envelhecer,vão aumentar os gastos. Mas a alternativa não podem ser regras tão restritivas que a pessoa só consiga se aposentar na próxima encarnação. Mesmo em países onde a transição demográfica já se concluiu, com mais aposentados do que trabalhadores economicamente ativos, o que só deve acontecer no Brasil entre 2040 e 2050, não há condicionantes tão severos quanto os que estão sendo propostos.”

 


 

 

AMEAÇA AOS TRABALHADORES RURAIS


A reestruturação ministerial realizada pelo governo Temer acabou com o Ministério da Previdência Social, transformandoo na Secretaria da Previdência já sem a qualificação de social, dentro do Ministério da Fazenda. Com a pasta, seguiram para a Fazenda todos os órgãos a ela vinculados: Previc, Dataprev, e o Conselho de Recursos, tribunal administrativo que faz a mediação dos litígios entre o governo e segurados, inclusive os seus grandes devedores.

Todos, menos um. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo pagamento dos benefícios previdenciários, foi integrado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.

 

A medida refletiria, segundo analistas, a intenção de transformar os benefícios pagos aos trabalhadores rurais em uma assistência social. Status, por exemplo, dos diferentes programas de bolsaauxílio, como o BolsaFamília. Se confirmada essa diretriz, será o desmembramento efetivo do sistema de Seguridade Social previsto na Constituição.

Dados do IBGE indicam que 36% da população brasileira é rural. Os agricultores têm um modelo contributivo diferente, com alíquotas entre 0,1% e 2% sobre o que produzem, recolhidas pela empresa compradora. O Valor Bruto da Produção Agropecuária de 2015 somou R$ 516 bilhões, segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), citados no documento “Previdência Social – contribuição ao debate”, publicado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, em parceria com a Anfip. Em contrapartida, diante das renúncias, imunidades, desonerações e baixa fiscalização, a arrecadação é muito inferior – da ordem de R$ 7 bilhões no mesmo período, obviamente insuficientes para cobrir os R$ 98 bilhões de aposentadorias rurais. Razão pela qual o Orçamento da Seguridade Social previu outras fontes solidárias para seu financiamento, como a CSLL e a Cofins.

 

 


 

 

 

 

ENTREVISTA / DENISE GENTIL
"Seguridade Social financia juros da dívida
"

 

 

Para a professora Denise Gentil, o Novo Regime Fiscal da PEC 241, que prevê 20 anos de restrições aos gastos públicos, ao lado da Reforma da Previdência, “é um projeto de aniquilamento social que vai trazer o aprofundamento da recessão no país e, com ela, a deterioração das condições de vida dos idosos do amanhã, que são os jovens de hoje”. Se desfizer o modelo tripartite de cidadania social, Michel Temer será, segundo a economista, “o coveiro da Constituição de 1988”.
Do que o Brasil precisa, na opinião de Denise, é de uma política macroeconômica voltada para o crescimento, um projeto de país com programas de incentivo à industrialização, à inovação e à qualificação dos trabalhadores para aumentar o valor e a produtividade do trabalho. “Se não fizermos nada agora”, diz, “o problema não é que teremos muitos aposentados e idosos no futuro, mas empregados com baixa renda salarial e grande dificuldade de contribuir.”

Defensores de uma reforma na Previdência com alongamento da idade e do tempo de contribuição alegam que o envelhecimento demográfico, com mais inativos recebendo benefícios do que ativos contribuindo para o sistema, tornará o modelo atual insustentável em alguns anos. É preciso fazer alguma coisa para garantir as pensões e aposentadorias no futuro?

É preciso tomar medidas imediatas hoje para não termos resultados dramáticos no futuro. O determinismo demográfico não é uma tese pacificada, mas uma questão socioeconômica, com projeções que podem se revelar muito diferentes da realidade. O governo deve fazer uma política econômica que aumente a produtividade do trabalho, investindo em inovações, ciência e tecnologia, educação. Porque o importante, no futuro, não é quanto será o gasto com os inativos, mas a capacidade de produzir dos trabalhadores ativos. E que agora se encontra estagnada. Há um exemplo clássico nesse sentido. Um trabalhador francês do campo, no século 19, produzia o suficiente para alimentar apenas 13 pessoas. O mesmo trabalhador, em um hectare no Sul da França, no final do século 20, produzia

bastante para alimentar 300 pessoas. O importante não é o número de idosos, mas a capacidade produtiva dos trabalhadores ativos. Se ela for crescente, não teremos problema. Para isso, temos de promover a educação para jovens, estimular a industrialização. A solução deve ser encontrada na receita, na capacidade de pagar impostos. Um trabalhador mais produtivo, com mais renda, terá mais condições de recolher para a Seguridade Social.

Nesse contexto, quais serão as principais consequências das reformas pretendidas pelo governo no Novo Regime Fiscal da PEC 241 e na reforma da Previdência Social?

Fomos um dos países que mais se desindustrializaram nos últimos cinco anos. E esse movimento trouxe um prejuízo enorme à produtividade do trabalho no país. Em um cenário de recessão, com trabalhadores de baixa remuneração e capacidade de produção, com muita informalidade, o sistema vai perdendo força. A saída é uma política macroeconômica para o crescimento, o que implica escolher um projeto de nação. E que não é este que está para ser votado. A PEC 241, a Reforma da Previdência, tudo isso é um projeto de aniquilamento social. O Ulysses Guimarães do PMDB a construiu; o Temer, do mesmo PMDB, será o coveiro da Constituição de 1988.

A principal consequência para o país é o aprofundamento da recessão. E, junto com ela, a deterioração das condições de vida dos idosos de amanhã, que são os jovens de hoje. Ou seja, a incapacidade de a maioria dos brasileiros ter acesso aos benefícios das aposentadorias e das pensões; a falta de amparo no momento do desemprego, da velhice, da doença. Vamos perder esse amparo, porque o governo vai cortar os benefícios. É a precarização social, o retrocesso, o genocídio.

Quanto dos recursos da Seguridade Social que estão previstos na Constituição é destinado a pagamento de juros da dívida pública?
Em 2015, foram R$ 501 bilhões para pagamento de juros, ou 8,5% do PIB. A maior parte, da Seguridade Social, porque foi o único orçamento que deu superávit. O déficit da União foi de 2% do PIB, mais de R$ 100 bilhões – uma parte financiada com rolagem da dívida, outra com a Seguridade Social.

Por que é tão difícil debater a reforma da Previdência levando em conta suas fontes de receita constitucionais? Por que o discurso de governo, empresários e mídia ignora essas fontes? Porque o governo não divulga a outra possibilidade de entendimento. E isso acontece porque quer favorecer a privatização da Previdência, passar a ideia de que o modelo vai quebrar no futuro, e favorecer os bancos, que serão os grandes beneficiários da desistência do brasileiro de ter uma previdência pública.

A extinção da Desvinculação das Receitas da União (DRU) seria suficiente para recuperar os recursos desviados da Seguridade para outros fins? Ou a parcela transferida para fora do sistema já é maior do que os 30% autorizados pela DRU?

Não há como sabermos, porque o governo não faz o Orçamento da Seguridade Social e não discrimina essas transferências. Não há o menor controle sobre isso. Nem me lembro de ter visto alguma vez relatório do TCU sobre esses dados.

 

 

 

 

NO MUNDO, OS EFEITOS DA ONDA PRIVATISTA 

Várias experiências internacionais de reformas privatizantes da Previdência Social estão sendo revistas. A retomada da participação do Estado no modelo de financiamento foi a saída encontrada para evitar o empobrecimento crescente da população idosa, de acordo com o relatório WorldSocial Protection Report 20142015, da Organização Internacional do Trabalho. O Chile foi o primeiro país a dar um passo atrás na privatização da seguridade. Mas Argentina, Uruguai, Polônia, Hungria e Cazaquistão também estão promovendo a reestatização. 

 

Segundo o estudo, atualmente quase a metade (48%) das pessoas no mundo que já deveriam estar aposentadas não recebe benefício. E, para muitos que a recebem, a aposentadoria está abaixo dos níveis adequados. Entre os que trabalham, apenas 42% devem contar com a cobertura no futuro, e com valores ainda mais baixos.

O documento lembra que, entre 1981 e 2008, 11 países da América Latina privatizaram completa ou parcialmente seus sistemas públicos de aposentadorias baseadas na contribuição dos segurados. As reformas se espalharam, no final da década de 1990 e início do novo milênio, pela maioria dos países da Europa Central e Oriental, onde uma parte das contribuições (até um terço, em lugares como a Hungria, Polônia e Eslováquia) foi excluída do regime público e destinada a contas individuais obrigatórias, de gestão privada. “Durante os últimos anos, essas privatizações chegaram a um impasse e, em alguns países, foram revertidas, com a retomada ou a ampliação da participação do Estado no financiamento dos benefícios”, diz o relatório.
No Chile, passados 35 anos da adoção do “novo paradigma”, marchas de manifestantes vieram às ruas protestar por não terem conseguido se aposentar, ou estarem recebendo pensões baixíssimas. O novo sistema chileno não deu conta de aumentar a cobertura conforme o esperado, nem foi capaz de assegurar rendimento adequado na velhice. Especialmente para aqueles com salários baixos e carreiras mais curtas, ou que tiveram de ser interrompidas (em particular para as mulheres), o que os impediu de arcar com as contribuições de forma regular ao longo do tempo.


A partir de 2008, o modelo foi complementado por dois novos regimes públicos: uma pensão básica universal para 60% da população com menor renda e sem aposentadoria (Pensão Básica Solidária – PBS) ou um adicional para complementar aposentadorias de valores muito baixos (Aporte Previsional Solidário – APS). Além disso, a presidente Michelle Bachelet decidiu criar uma AFP (ou fundo de pensão) pública, que também terá o papel de aumentar a fiscalização das AFPs privadas.

 

Inflexões similares ou rereformas – como as chama o documento da OIT – aconteceram na Argentina, em 2008, na Bolívia, em 2010, e no Uruguai, em 2013. Enquanto os dois primeiros eliminaram completamente o pilar privado, o Uruguai e o Chile o mantiveram, mas sob supervisão mais rígida, e complementado pelo poder público. 

Se na Argentina e no Chile a intenção das rereformas foi assegurar um piso de proteção para todos que atingissem a velhice, outros países, em particular os da Europa Central e Oriental, buscaram enfrentar o déficite a dívida pública, agravados pelo sistema de seguridade privado. Para isso, durante os anos da crise, a maioria dos países na Europa reduziu de forma temporária ou permanente o fluxo de contribuições aos fundos de pensão privados, mantendoos nos sistemas públicos.


Na Polônia, Hungria e Eslováquia, a privatização provocou um incremento anual de cerca de 1,5% do PIB aos déficits nacionais. Como os fundos de pensão privados investiam a maior parte dos seus ativos em títulos do governo para cobrir, entre outras coisas, os seus déficits causados pelos montantes de contribuições nos próprios fundos de pensão privados, alguns governos agiram para interromper esse fluxo circular de dinheiro, que parecia beneficiar apenas os administradores privados. O governo polonês, por exemplo, cortou as contribuições de 7,3% para 2,9% sobre os salários e tornou a participação voluntária (com os integrantes devendo confirmar se preferiam ficar ou passar para o financiamento público). Em 2014, resolveu transferir todos os ativos mantidos em títulos do governo a uma instituição de seguridade, proibindo quaisquer novos investimentos.

 

 

 


 

 

 

 

BNDES, NO OLHO DO FURACÃO

A CHEGADA DA NOVA DIRETORIA, COMPOSTA POR EXECUTIVOS DE MERCADO ADEPTOS DA DOUTRINA NEOLIBERAL, FAZ EMERGIR O VELHO DEBATE SOBRE O PAPEL
DO ESTADO – E DO BNDES – NA INDUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO E DO CRESCIMENTO ECONÔMICO.

 

CRISTINA CHACEL

 

Desde que assumiu a presidência do BNDES, em 1º de junho de 2016, a economista Maria Silvia Bastos Marques é refém de um paradoxo. Executiva das mais prestigiadas do país, perfeita tradução de mulher de sucesso, primeira e única a ocupar a presidência da lendária Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Maria Silvia vive o dilema de implantar o novo sem falar no antigo. Ela veio para mudar. Essas mudanças devolvem ao banco a orientação neoliberal que dominou a instituição nos anos 1990 e são antagônicas à gestão desenvolvimentista de Luciano Coutinho.

 

Têm sido dias difíceis para todos no BNDES. Ao público externo, seus superiores e interlocutores no governo Temer, a presidente Maria Silvia tem que mostrar coragem e pulso firme na tomada de decisões. Para o público interno, um contingente de 2.855 servidores públicos, 81% deles profissionais de nível superior, administradores, advogados e economistas altamente qualificados, precisa afirmar a nova orientação, sem, contudo, desqualificar a experiência pregressa, da qual eles se orgulham, acenando com a bandeira branca da boa convivência e da cooperação. Compreendese o desconforto em abordar o passado. Procurado, o BNDES preferiu não participar desta reportagem da Por Sinal.


FOGO CRUZADO
A vida segue, mas o mundo lá fora não tem ajudado. Aqui e ali, ganham espaço crescente na imprensa críticas ferozes à administração do expresidente Luciano Coutinho, sobretudo a partir de 2008, quando o banco serviu como antídoto à crise financeira que desabou sobre o mundo, adotando medidas anticíclicas, ao custo do crescimento da dívida pública. A essas críticas, somaramse as notícias de irregularidades envolvendo a concessão

de empréstimos supostamente seletivos a empreiteiras nacionais implicadas na Operação LavaJato, em contratos de exportação de bens e serviços para países do Cone Sul. Da nova diretoria, a massa de empregados esperava uma defesa firme da instituição. “A casa está em chamas”, revelou, numa tarde da primeira semana de outubro, o economista Thiago Mitidieri, presidente da Associação de Funcionários do BNDES. A declaração foi feita dois dias após a publicação de um anúncio de página inteira, nos jornais de grande circulação do país, em que o governo Temer condena a administração Dilma Rousseff e, nos dois últimos parágrafos, atira contra o BNDES.

A propaganda oficial acusa o banco de ter emprestado R$ 8,3 bilhões, entre 2003 e 2013, a juros subsidiados, para a construção de obras de infraestrutura em outros países, em prejuízo do desenvolvimento nacional. Diz que “o Tesouro Nacional se endividou em R$ 323 bilhõespara emprestar dinheiro ao BNDES”, que por sua vez beneficiou majoritariamente empresas de grande porte (mais de 60%) e que o saldo devedor do banco com o Tesouro é superior a R$ 500 bilhões, o equivalente a 10% do PIB.

Os funcionários saíram em defesa do banco. Em nota de 11 parágrafos, as associações dos funcionários do Sistema BNDES, que inclui Finame e BNDESPar, expressaram “perplexidade com os ataques descabidos” e fizeram questão de qualificar a instituição: “As decisões do BNDES são tomadas de forma impessoal e técnica, depois da avaliação de ao menos duas equipes de análise e dois colegiados, num processo que passa pelo exame de pelo menos 50 pessoas.”

Sobre a acusação de que o banco privilegiou os investimentos em infraestrutura no exterior, a nota é clara: “O BNDES tem uma carteira com mais de 300 operações de projectfinance voltados para a infraestrutura nacional. Os desembolsos para infraestrutura entre 2007 e 2015 atingiram quase R$ 600 bilhões, a valores de dezembro de 2015. No ano passado, os desembolsos representaram 40% do total. O financiamento às exportações respondeu por cerca de 4,5% dos desembolsos totais do BNDES. De fato, nunca concorreram com o investimento no Brasil.” 

Diante do exposto, a nova diretoria devolveu três parágrafos, nos quais reconhece o desconforto causado pelo anúncio do governo, informa que só soube do mesmo pelos jornais, mostrase compreensiva “que a Casa tenha se sentido atingida neste momento de grande turbulência, em que o BNDES vem sendo citado em reportagens sobre delações e processos de investigação”, e sai em defesa do governo: “O objetivo do anúncio foi expor a grave situação fiscal encontrada pelo atual governo – e não atacar o BNDES.”

Não foi suficiente para acalmar os ânimos dos funcionários. Desde que Maria Silvia e equipe assumiram a diretoria do banco, a situação é tensa. Houve boato de demissões seriam mandados 800 embora, que demorou a ser desmentido. E outubro é o delicado mês de negociação do acordo coletivo de trabalho. Dias depois da troca de notas, o Ministério Público Federal denunciava o expresidente Lula por receber propina para facilitar empréstimos da empreiteira Odebrecht no BNDES.
A diretoria, desta vez, deu uma resposta mais curta, de três linhas, divulgada em cadeia nacional de televisão, informando estar cooperando com as autoridades e comunicando o anúncio, no dia seguinte, de novas regras para os contratos de financiamento às exportações de bens e serviços. A dúvida pairou no ar.

Será que os contratos vigentes são irregulares e estão contaminados de malfeitos? Coube aos funcionários, por meio de suas associações, sair em defesa da instituição, repudiando, em nova nota, “as ilações indevidas feitas na imprensa de que as mudanças anunciadas esta semana pelo BNDES no financiamento às exportações tenham sido motivadas pela identificação de irregularidades em 25 dos 47 contratos dessa carteira”.


A BOLA DA VEZ? 
Esses são apenas exemplos mais recentes do desgaste crescente entre os funcionários e a nova diretoria do BNDES. O ambiente faz precipitar uma indagação: Depois da devassa na Petrobras, será o BNDES a bola da vez? Na berlinda, o banco está desde 2015, quando uma CPI na Câmara Federal investigou e nada encontrou a condenar. Também no ano passado, a instituição foi alvo de uma auditoria do Tribunal de Contas da União, o TCU. No relatório de 93 páginas, nada se encontra além de apontamentos quanto a procedimentos do banco que poderiam ser aprimorados em nome da transparência e da boa avaliação de projetos. Mas nenhuma irregularidade, efetivamente. O que contribui para um clima de desconfiança.

“O banco é um instrumento estratégico, cumpriu seu papel de governo. A política brasileira de exportação vem da década de 1980. O BNDES começou a apoiar as exportações de bens e serviços de engenharia nos anos 1990. Em 2007, o BNDES herdou as funções da antiga Carteira de Comércio Exterior, a Cacex, do Banco do Brasil, e reativou a linha de financiamento a Angola, dentro da contapetróleo, o que também atendia à política externa do governo Lula, inspirada na tradição da independência diplomática dos anos 1960, inaugurada por San Thiago Dantas”, observa Thiago Mitidieri. Para ele, as relações internacionais não podem ser reguladas pelo mercado. São relações de governo. “Os contratos com

a Venezuela fazem parte das relações do Brasil com o Hemisfério Sul. O mesmo vale para os paísesmembros dos Brics (Rússia, China, Índia e África do Sul). Em operações garantidas pelo Tesouro, o BNDES financia obras nesses países realizadas por empresas brasileiras”, ressalta. A confusão em torno do financiamento às exportações é grande. O comunicado do governo que tanto ofendeu os empregados do banco não ajuda a esclarecer. Difunde a ideia de que essas operações são feitas em detrimento do desenvolvimento do Brasil e ganham tintas incandescentes quando entre os paísesmercado dessas empresas está a indesejável Venezuela e a mítica ilha de Cuba.


“As críticas são muito ruins. Falase que o BNDES financiou o porto de Cuba. Ele não financiou o porto de Cuba. Financiou a exportação de bens e serviços de engenharia brasileira para o porto em Cuba. Uma operação que gera emprego para o Brasil, desembolsada em reais e paga pelo povo cubano. Financiar exportação não tira recursos da infraestrutura interna. Gera divisas e aumenta a capacidade de crescimento. O banco tem operação até muito conservadora. Isso se traduz na inadimplência baixa. O ataque às exportações atinge uma institucionalidade criada nos anos 1990, não foi no governo do PT”, comenta um profissional de administração, com dez anos de casa, que anda submerso, com as barbas de molho.

 

 

 

OS NOVE ANOS DA GESTÃO COUTINHO

A Por Sinal teve acesso a um documento ainda inédito que consolida os resultados obtidos em nove anos de gestão de Luciano Coutinho no BNDES, período entre os anos 2007 e 2015. O documento informa que o banco tem ativos e passivos de longo prazo devidamente alinhados e que seu “desempenho econômicofinanceiro mostra que a missão de apoiar o desenvolvimento demanda sustentabilidade financeira, capaz de resistir a crises severas como a atual”.

Registra, ainda, a rentabilidade das participações societárias, via BNDESPar, cuja carteira acumula R$ 60,2 bilhões, em valor de mercado. E sublinha que os custos fiscais dos aportes do Tesouro entre 2008 e 2014 não só contribuíram para elevar a taxa de investimento e o crescimento da economia, como também podem ser anulados ou superados pelos “benefícios fiscais decorrentes do efeito multiplicador dos investimentos sobre a renda”.



O ANO CRÍTICO
No capítulo dos Desembolsos, o estudo deixa claro o impacto da crise financeira que abalou o mundo: o número de operações indiretas, que incluem Finame, Cartão BNDES e BNDES Automático, passou de 197,5 mil, em 2007, para mais de 1 milhão, em 2013 e 2014, tendo sofrido queda em 2015. E que as liberações para as micro, pequenas e médias empresas quase triplicaram de 2007 a 2013, tendo sofrido queda expressiva em 2015, ainda que menos forte que a média. Assinala que, excluindo infraestrutura, exportações e setor público, quase metade dos desembolsos do BNDES foi para as MPMEs. A peça, de linhagem desenvolvimentista purosangue, apresenta também um resumo da efetividade e dos resultados da atuação do BNDES nesses nove anos. Atesta que, de 2007 a 2015, os desembolsos do banco “criaram ou mantiveram 24 milhões de empregos. Considerando o total do investimento alavancado, tal indicador foi de 33 milhões.

A geração de empregos foi crescente até 2013, estável em 2014, caindo em 2015”.

Os resultados refletem a análise de Antonio Alves Junior:

“Nesse período em que o BNDES elevou os financiamentos, o comportamento da dívida pública era de estabilidade. Outras coisas contribuem para reduzir. O país financia, tem investimento, tem crescimento do PIB, aumento da arrecadação. E protelou o mergulho na recessão. Se não fosse o setor público, os bancos públicos, que equivalem a 50% do sistema financeiro nacional, nós não teríamos só uma crise de crédito, mas uma crise bancária. Quando os bancos privados contraem crédito, acontecem efeitos recessivos na economia.”

 

 

 

 

O ESTADO E O MERCADO
A chegada da nova diretoria, composta por executivos de mercado adeptos da doutrina neoliberal, faz emergir o velho debate sobre o papel do Estado – e do BNDES – na indução do desenvolvimento e do crescimento econômico. Dez entre dez economistas da instituição sabem como dois mais dois são quatro, que tudo o que se decidir, sob a nova direção, atenderá ao princípio menos Estado, mais mercado. Privatizações e concessões de serviços públicos voltaram à pauta.
“O BNDES é uma instituição do Estado. Quando foi chamado a fazer as privatizações, ele fez. O projeto deles é reduzir o banco, diminuir. A visão deles é a de que o banco atrapalha o mercado de capitais, de que basta tirar o banco para os negócios florescerem. Parte da atual administração entende que o banco não deveria sequer existir”, dispara um desses economistas. 

Professor de Macroeconomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o economista Antonio José Alves Junior acompanha de perto o BNDES desde 2004, sempre de mirantes privilegiados. Desde então e nesta ordem, chefiou a Assessoria Econômica de Guido Mantega no Ministério do Planejamento, a Assessoria Econômica de Dilma Rousseff na Casa Civil e o escritório do BNDES em Brasília, que atende pelo nome de Departamento de Relações com o Governo (Dereg). De 2013 a 2015, assessorou diretamente Luciano Coutinho na presidência do banco, no Rio. De seu campo de visão, ele resume em três metas o que pensa ser o papel de um banco público de desenvolvimento:

1) Cumprir atividades comuns de uma economia de mercado que o setor privado não cumpre, caso dos empréstimos de longo prazo para indução do desenvolvimento econômico.

2) Cumprir atividades fundamentais para a indução do desenvolvimento, ligadas às transformações do país, que são de alto risco e retorno incerto caso do financiamento à inovação.

3) Cumprir uma função que o setor privado normalmente cumpre, mas que por alguma razão deixa de cumprir – caso das medidas anticíclicas adotadas a partir de 2008, para enfrentar um momento de crise econômica.

Marcelo Miterhof é economista de carreira do banco há quase 15 anos. Foi aluno de Luciano Coutinho na Unicamp, e nos últimos anos o assessorou no BNDES. De 2012 a 2015, ganhou notoriedade com uma coluna semanal na Folha de S.Paulo. Didático, ele explica por que há uma falsa dicotomia entre Estado e mercado, não sem salientar que esta é uma opinião sua e não, necessariamente, do BNDES: 

“Tem gente que acredita que o mercado é capaz de resolver tudo. Essa é uma ideia platônica, uma idealização. A ’mão invisível’ do mercado não tem correspondência com a realidade, é algo de um realismo fantástico. Mas ela é traduzida pelo princípio de Bernard Mandeville, de que vícios privados correspondem a benefícios públicos. Faça o melhor pra você, que será o melhor pra todo mundo. Essa máxima só seria verdadeira se a competição fosse capaz de dar conta não só da busca pela eficiência, mas também daquilo que é típico da cooperação, que é a proteção social e a sobrevivência.”

Miterhof cita estudo de Mariana Mazucto, da Universidade de Sussex, Inglaterra, que fala de encontros do Estado com o mercado que resultaram em inovação e transformação para o mundo contemporâneo:

“O algoritmo do Google foi desenvolvido com gastos da Defesa do governo americano. O GPS idem. A internet idem. O protocolo da internet é de 1974. Levou dez anos para se tornar real e outros dez para se tornar comercial. Então, como você sustenta esses 20 anos, até gerar dinheiro? Por exemplo, com compras públicas, que diluem o risco da inovação por todo o mundo. E, quando não é imposto, é banco público. É preciso não perder de vista que os mercados não são obras da natureza. São obras de empresas e seus governos. A questão é qual o balanço adequado entre competição e cooperação, entre mercado e Estado.”

 


FATOS E VERSÕES
Entre as principais críticas à gestão de Luciano Coutinho no BNDES estão as medidas anticíclicas. O ano era o de 2008. A crise financeira internacional asfixia o mercado de crédito no mundo inteiro. O Brasil não está imune à epidemia. Os bancos privados se retraem e as torneiras secam. O dinheiro some do mercado.

Em uma decisão de política econômica, o governo faz do BNDES seu principal agente de crédito, encarregado de manter a economia ativa. Sem fundos para tanto, o BNDES passa a receber recursos do Tesouro. Sem receita fiscal para tanto, o Tesouro emite títulos da dívida pública. Capta dinheiro caro, à taxa básica anual, a Selic, que depois de mais de um ano estacionada em 14,25% caiu 25 pontos percentuais, e repassa para o BNDES emprestar pela TJLP, a Taxa de Juros de Longo Prazo, de 7,5%, ou a excepcionais 2,5%, caso dos empréstimos enquadrados no Programa de Sustentação de Investimentos, o PSI.

A diferença entre o dinheiro comprado caro e vendido barato é o que se costuma chamar de subsídio. De 2008 a 2014, o Tesouro repassou R$ 420 bilhões ao BNDES. O que o país ganhou com isso? O professor Antonio Alves Junior responde:

“A economia estava lutando contra consequências graves da maior crise econômica a que o mundo já assistiu. Muito maior que a de 1930. A crise de 2008 começou mais violenta, com a desvalorização dos ativos e a ameaça de quebra de grandes instituições financeiras. No mundo inteiro, houve movimento contracíclico de compensação, para salvar o sistema financeiro. Senão ia ser uma quebradeira geral. No Brasil, quase por razões acidentais, como nosso sistema financeiro privado não opera em economia globalizada e não financia a longo prazo e o mercado de capitais é ainda incipiente, não sofremos o impacto da crise da mesma forma que a Europa. Mas do dia para a noite vimos as torneiras se fecharem, os preços de commodities como petróleo, carne, ferro e soja despencarem, o financiamento externo secar. O nosso sistema bancário se retraiu fortemente. Não fosse o peso do setor público, teríamos uma crise de crédito sem precedentes no país.”

Ao olhar mais ligeiro, da aritmética básica, o que o governo fez foi financiar o desenvolvimento à custa do endividamento. Mas para os economistas da escola desenvolvimentista, da qual Luciano Continho é um dos expoentes, a operação faz todo o sentido. Durante depoimento na CPI da Petrobras, o próprio Coutinho admitiu que pode ter havido um erro de dose na taxa do PSI. Fosse algo mais alta, exigiria menos equalização e menos empréstimo do Tesouro. Mas não houve erro de direção. Miterhof concorda:

“O crescimento do BNDES foi uma importante arma para a gestão da política econômica durante um longo tempo. O Brasil tem o problema de juros altos e restrição de crédito, mas mesmo que não tivesse, inclusive nos países desenvolvidos, o mercado não consegue ser plenamente eficiente para fornecer crédito de longo prazo necessário ao investimento em infraestrutura. Os Estados Unidos, que têm o mercado de capitais mais profundo, têm déficit de infraestrutura. A institucionalidade com bancos públicos é positiva para contrabalançar os soluços e as dificuldades de assumir risco do setor privado.”
O economista Antonio Alves Junior acrescenta:

“Há mais fumaça que fogo, quando falam em crise da dívida pública ligada ao setor bancário e à ausência de lastro. Quando você olha os números, vê uma certa estabilidade da dívida pública.

Nossa dívida pública sai do controle para valer em 2015, no primeiro ano do governo da Dilma, quando o Joaquim Levy começa a política da austeridade e a arrecadação tributária desaba. Ele derrubou o investimento público. Teve um efeito recessivo forte. E, curiosamente, essas medidas não sanearam.”

O Tribunal de Contas da União enxerga o mundo de outro mirante. Por meio de seu vicepresidente, ministro Raimundo Carreiro, propôs que o BNDES devolvesse R$ 100 bilhões aos cofres do Tesouro. Disse ele ao Portal do TCU: “Os empréstimos totalizaram cerca de R$ 500 bilhões, tendo sido autorizados pelo Ministério da Fazenda por meio de emissão direta de títulos públicos ao BNDES. Assim, há controvérsias perante a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), tanto sobre a legalidade dessas injeções de recursos do governo federal no banco quanto sobre a devolução ora anunciada.” O BNDES está disposto a realizar a devolução antecipada, mas esbarra no artigo 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda a antecipação. Mas o simples fato de se dispor a antecipar é prova, segundo Thiago Mitidieri, de que o banco goza de boa saúde financeira, tem liquidez. Mitidieri é um técnico. Trabalha no banco desde 2008. E não esconde críticas à administração anterior:

“O BNDES cresceu muito, a meta era desembolso. Perdeu qualidade. Nossa questão é trabalhar com planejamento e o motor do crescimento não foi planejado. Falta ao Brasil um projeto de país.”

 

 

 

FELIPE REZENDE | PROFESSOR DA HOBART AND WILLIAM SMITH COLLEGES

"VIVEMOS UMA HISTERIA FISCAL"



O economista Felipe Rezende é um craque em dívida pública. Mestre e doutor pela University of MissouriKansas City, ele é discípulo e seguidor das teorias fundadas por Hymam Minsky, influente economista póskeynesiano, morto em 1996, conhecido por seus estudos sobre crises financeiras. Há dez anos ele vive nos Estados Unidos, os últimos seis como professor da Hobart and William Smith Colleges, de Nova York. É de lá que ele olha o mundo, como um todo, e o Brasil, em particular.

 

Associado ao Minds Institute, Felipe coordena há três anos pesquisa financiada pela Fundação Ford, que tem por finalidade identificar as fontes de fragilidade financeira da economia brasileira e as razões da concentração dos bancos privados do país no mercado de curto prazo. Com a autoridade de quem estuda dívida pública e acompanha as taxas de juros nos principais mercados do mundo, diariamente, ele adverte:

 

“Vivemos no Brasil uma histeria fiscal injustificável. De 2007 a 2014, a dívida pública do Japão aumentou de 183% para 246% do PIB. No mesmo recorte de tempo, nos Estados Unidos, subiu de 64% para 105% do PIB. E no Reino Unido, em igual período, o comprometimento foi de 44% para 89% do PIB. Esses dados, coletados pelo FMI, refletem o desempenho de países em crise. Vários países tiveram déficits nominais de cerca de 10% do PIB, nos últimos 15 anos, e apresentaram elevação da dívida pública em decorrência de diferentes fatores.”

 

O aumento do endividamento, como exposto, não é exclusividade do Brasil, continua Felipe Rezende: “Não é jabuticaba. O Brasil apresentou resultados primários positivos por mais de uma década, até 2013. Em 2014, a balança entre receita e despesa, onde não entram os juros da dívida pública, ficou negativa em 32,5 bilhões, o equivalente a 0,57% do PIB. Em 2015, com o quadro de recessão já configurado, o déficit primário negativo saltou para 111,2 bilhões, ou 1,88% do PIB, refletindo o ciclo de queda da atividade econômica, com produção baixa, menos arrecadação tributária, desemprego e custos sociais, sensíveis ao ciclo econômico. Em um recorte de tempo acrescido de um ano, em relação ao período registrado pelo FMI, de 2007 a 2015, a dívida pública brasileira cresceu 15%. De 56,7% para 66,2% do PIB.”


Rezende observa que há uma disputa entre analistas da cena econômica sobre o uso, muito comum no mercado, do resultado da dívida pública como indicador de solvência de um país. Ele diz que não se pode comparar um país como o Brasil, que é emissor de moeda, a um país usuário de moeda, sem soberania, caso da Grécia. Contesta a tese, em voga no Brasil, de que as contas públicas estão fora de controle por erros da matriz econômica, que empurraram o país para uma crise fiscal que foge ao alcance da política monetária no combate à inflação.


COMBINAÇÃO EXPLOSIVA
Por este entendimento, o remédio para os males da nossa economia é antes de tudo um severo ajuste fiscal, que teria por consequência o aumento dos índices de confiança, a queda dos juros e a redução do custo médio da dívida e do déficit nominal, que inclui o resultado primário e os juros nominais, e que em 2015 bateu a casa dos 10,34% do PIB. Rezende argumenta:

“Um aperto fiscal em uma recessão só piora as coisas. A combinação da austeridade fiscal com juros altos aumenta a desigualdade, reduzindo a renda dos mais pobres e elevando os rendimentos dos mais ricos. Provocam distorções no setor produtivo, inviabilizam investimentos, aumentam a inadimplência e agravam o desemprego. Os dados confirmam que o déficit primário no Brasil não resulta do descontrole das contas públicas, mas da recessão.” Na prova dos nove, Felipe Rezende observa que a dívida pública brasileira, hoje, corresponde a 70% do PIB. Deste montante, 9% são transferências de títulos públicos para os bancos públicos e 20% são aquisições de dólar para compor as reservas internacionais. Ou seja, arredondando, para facilitar o entendimento, essas duas linhas operacionais respondem por 30% da dívida bruta, indicando um endividamento real, efetivamente oriundo dos gastos públicos, de 40% do PIB.

“Isso quer dizer tãosomente que a dívida pública brasileira, de 40% do PIB, está em linha com a de países que têm algum grau de investimento. Tratase de um patamar aceitável”, pondera

 

 

 

PONTE PARA O FUTURO
Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte até o BNDES consolidar sua nova identidade, que ainda não se pode enxergar a olho nu. As cartas de princípios já foram postas na mesa. Menos Estado, mais mercado é o pilar desses princípios. Os desafios são muitos, e muitas perguntas ficaram sem resposta. A nova diretoria anunciou a revisão de contratos em vigor, a possibilidade de suspensão de alguns deles, e maior rigor na análise dos projetos, que não serão mais considerados à luz apenas da parte financiada, mas como um todo.

A decisão de acabar com os empréstimosponte surpreendeu os técnicos da Casa. Esse tipo de desembolso é uma antecipação de curto prazo, feita a juros mais altos e garantias maiores, para viabilizar a partida do empreendimento enquanto não estão concluídas as análises de longo prazo, que levam tempo. Sem a ponte, o empreendimento atrasa.


Ao que se comenta nos corredores do BNDES, a expectativa da nova diretoria é de que o mercado privado preencha esta lacuna. Bem coerente com o princípio menos Estado, mais mercado. Vozes desses corredores do banco acham que se trata de uma ilusão imaginar que no fundo do poço de uma recessão, o setor privado, cuja cultura é do curto prazo, vá investir em obras de alto risco e longo período de maturação. Quem viver verá. Com o país mergulhado em denúncias de corrupção e em uma crise política que só traz mais incertezas, é difícil imaginar qual modelo de desenvolvimento será adotado daqui para frente, em especial na área de infraestrutura, um setor oligopolizado, concentrado em meia dúzia de empreiteiras, todas elas implicadas na Operação LavaJato e que, por esta razão, estão impedidas de participar de novas obras públicas. O Brasil vai parar de crescer? Quem ocupará este mercado milionário de dimensões continentais? A resposta mais rasa é de que serão empresas estrangeiras. Quem viver verá.

Com o país mergulhado em denúncias de corrupção e em uma crise política que só traz mais incertezas, é difícil imaginar qual modelo de desenvolvimento será adotado daqui para frente, em especial na área de infraestrutura, um setor oligopolizado, concentrado em meia dúzia de empreiteiras, todas elas implicadas na Operação LavaJato e que, por esta razão, estão impedidas de participar de novas obras públicas. O Brasil vai parar de crescer? Quem ocupará este mercado milionário de dimensões continentais? A resposta mais rasa é de que serão empresas estrangeiras. Quem viver verá.

 

 

MARCELO MITERHOF | ECONOMISTA DO BNDES
"UM BANCO PÚBLICO SINGULAR"



Não haveria nada de diferente no BNDES em relação aos demais bancos de desenvolvimento espalhados pelo mundo, não fosse uma prática popular e peculiar do Brasil que atende pelo nome de juros altos. Em análise comparativa da instituição com suas congêneres no exterior, Marcelo Miterhof conclui que a singularidade do BNDES, aquilo que só ele faz, está na sua função de atenuar o que ele chama de falha macroeconômica estrutural, fornecendo crédito de longo prazo em reais a taxas compatíveis à rentabilidade e à maturação dos projetos de desenvolvimento. 

“O Brasil tem uma economia de restrição de crédito. Se a gente olha a carteira do BNDES em relação ao PIB do Brasil, vai ver que ela está em linha, mas um pouco abaixo dos outros bancos. O KfW, da Alemanha, um dos países mais eficientes do mundo, tem uma carteira maior em relação ao PIB. O banco da China, a maior potência emergente do planeta, a mesma coisa. Mas quando se fala em participação dos bancos no estoque de crédito total do país, o quadro muda. O BNDES tem um papel singular. Tem uma proporção no crédito muito maior que a dos outros bancos”, analisa o economista.

Ele ilustra a sua análise com números expressivos. A carteira do KfW equivale a 13,7% do PIB alemão, mas sua participação no mercado de crédito é de 12,6%. O CDB da China tem 12,5% no PIB e 7,4% no estoque de crédito. Já o BNDES, com 11,8% do PIB, quase dobra sua participação quando comparada ao estoque de crédito ofertado no país – 21,7%. Isso acontece porque o crédito total oferecido nesses países é maior que o PIB, mais de 100%, enquanto que no Brasil é muito menor, está na casa dos 50%, porque as taxas de juros são muito altas.

“O BNDES tem essa participação singular no crédito porque corrige uma falha macroeconômica estrutural que é a alta taxa de juros. O que o BNDES faz é fixar prazos e um patamar de juros minimamente compatíveis aos praticados no mundo, e com prazos de maturação e o retorno esperado dos projetos.”


PADRÃO MUNDIAL
Enquanto a Selic está no patamar de 14%, a TJLP, praticada nos empréstimos do BNDES, acompanha, grosso modo, o IPCA, de modo a oferecer uma taxa de juros real zero, que é o padrão mundial. Assim, o investimento no Brasil não é prejudicado por um custo demasiado elevado. Mas essa diferença é o que se chama de subsídio. Miterhof questiona: “A diferença entre a Selic e a TJLP parece sugerir que há um subsídio. Mas onde está o subsídio? Na Selic ou na TJLP? No senso comum, o subsídio está na TJLP. Eu tenho as minhas dúvidas. Nem uma nem outra são taxas de mercado. Ambas são fixadas pela equipe econômica. A Selic, pelo Banco Central e a TJLP, pelo Comitê Monetário Nacional. Ambas são taxas de governo, da equipe econômica, da autoridade monetária, instrumentos de política econômica.”

O fato de não representar subsídio, no entendimento de Miterhof, não significa que a TJLP não tenha um custo fiscal. Em 2008, com a crise internacional, a fonte constitucional do BNDES, que é o montante equivalente a 40% do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), já não provia recursos suficientes para dar conta da demanda de investimento do país.

Os números confirmam. A taxa de investimento, de 2000 a 2007, representou 17% do PIB – aumentando. De 2008 a 2014 – que é o período que o BNDES recebe empréstimos do Tesouro, ela bateu a casa dos 20% do PIB, um crescimento de três pontos percentuais. Por isso, o BNDES precisou de mais dinheiro para sustentar o financiamento dos investimentos.

“O debate, do ponto de vista liberal, é dizer que o Brasil tem juros altos por causa do BNDES, porque o BNDES entope os canais de transmissão da política monetária, tira parte do crédito do alcance da Selic. Ao mesmo tempo, argumentam que o BNDES seleciona os melhores clientes, e o mercado, ficando com os piores, tem que cobrar mais. Tratase de uma contradição. Se o BNDES é seletivo, não entope”, conclui Miterhof.

 

 


 

 

ENTREVISTA ILAN GOLDFAJN
PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

 

“Hoje, se aproximar da sociedade é uma prioridade do BC”

 


Até março deste ano economistachefe de um dos maiores bancos brasileiros, o exdiretor e novo presidente do Banco Central recebeu a Por Sinal no dia 31 de outubro, em Brasília. De que forma é possível melhorar
a fiscalização do BC evitando, por exemplo, a evasão de recursos não declarados para o exterior? O Banco Central tem agências suficientes para atender às demandas de um país do tamanho do Brasil? Por que os bancos estão lucrando tanto em plena rise econômica, enquanto o setor produtivo encolhe? A taxa de juros é o único instrumento para controlar a inflação?

Confira nesta entrevista a opinião de Ilan Goldfajn sobre estas e outras questões que preocupam não apenas os servidores do BC, mas, certamente, os leitores da Por Sinal.

O Sinal realiza em novembro, sua 27ª Assembleia Nacional Deliberativa. Este ano, escolhemos como tema “Banco Central do Brasil: órgão de Estado a serviço da sociedade”. Estamos a serviço da sociedade?
Estamos, mas sempre podemos melhorar. O Banco Central está a serviço da sociedade por dois grandes pilares. Primeiro, por meio de nossa busca de baixar a inflação. À medida que o BC consegue executar uma política econômica que faz a sociedade conviver com uma inflação menor, isso gera um impacto de crescimento e também um impacto de distribuição de renda. Todo mundo no Brasil já sabe, há tempos, que inflação alta prejudica os mais pobres, muito mais que os mais ricos. Essa é a primeira parte. Se conseguirmos, de fato, levar a inflação de volta à meta, vamos prestar grande serviço à população brasileira, tanto pela retomada da confiança como pela distribuição de renda.

O segundo ponto é o papel do Banco Central como regulador do sistema financeiro. Uma sociedade não pode funcionar bem sem a higidez dos bancos, do sistema financeiro. Esta crise que estamos vivendo, já alguns anos, seria bem mais aguda se não tivéssemos o pilar do sistema bancário consolidado. A experiência internacional mostra que crises globais quando viram, ao mesmo tempo, crises bancárias, tornam o impacto muito maior. No Brasil, o Banco Central – falo das diretorias, dos servidores – conseguiu manter o sistema bancário sólido, líquido e capitalizado. E isso é relevante. Finalmente, outra questão que estamos avançando a passos largos é a nossa cidadania financeira.

E o que seria isso?
A cidadania financeira é uma frente de trabalho à qual a Diretoria de Relações Institucionais e Cidadania (Direc) tem se dedicado e envolve a educação financeira, a inclusão e a melhoria do atendimento ao público. Fora isso, a comunicação do Banco, recentemente, entrou nas mídias sociais e em áreas que, eu diria, são mais inclusivas, como Facebook e Twitter.
Na área da educação financeira, fizemos um acordo com o Exército e estamos fechando acordos com outras instituições, de forma a chegar cada vez mais na população. Os cursos ajudam o cidadão a entender como funciona o sistema financeiro, como fazer cálculos, se proteger e tomar decisões melhores.

Saiu esta semana matéria dizendo que o brasileiro é o povo que menos poupa. Isso tem a ver com educação financeira?
Tem. Ensinar a pessoa que ela precisa se preparar e guardar dinheiro para períodos sem trabalho, períodos mais difíceis. Mas o Brasil não poupa também por questões macroeconômicas. Não temos trabalhado macroeconomicamente para puxar a poupança do país e não apenas de cada um, individualmente.

Em resumo, o senhor está dizendo que sob sua gestão o BC está buscando se aproximar mais da sociedade?
Não quero comparar com gestões anteriores. O que posso dizer é que para nós, hoje, é uma prioridade. Vocês têm observado, ao longo desses últimos meses, que estamos cada vez mais entrando nessa linha. Trabalhando com as ouvidorias dos bancos, fechando acordos para fora do BC. 

No Brasil, como o senhor já disse, somos muito fracos em poupança. Mesmo na época de crescimento do governo Lula, a taxa de juros baixou a 8,75% (chegou a 7,25% no governo Dilma, entre outubro de 2012 e março de 2013), mas ainda assim um patamar alto. Essa falta de poupança no país é um dos motivos pelo qual não se conseguiu baixar mais a inflação, mesmo em período de crescimento econômico?
Eu diria que uma das formas de entender a taxa de juros é a relação da poupança com o investimento. Se você tem pouca poupança, ela acaba gerando uma taxa de juros de equilíbrio maior. Países emergentes – como os asiáticos, como a China –, com taxas de poupança maiores, conseguem derrubar a taxa de juros de equilíbrio.

A Constituição de 1988, no artigo 192, prevê que o sistema financeiro deve ser estruturado de modo a promover o desenvolvimento equilibrado do país. Como estruturador do sistema financeiro, o que o Banco Central pode fazer a respeito?
Desenvolvimento sem intermediação financeira é muito mais difícil. Se a intermediação financeira está bem desenvolvida, ou seja, se os bancos estão capitalizados, sem problemas de provisão, de liquidez, isso certamente ajuda o desenvolvimento do país. E falo não só dos bancos, mas também de todos os entes que regulamos aqui no Banco Central.

Os recentes resultados financeiros dos bancos e demais setores da economia mostram os bancos com lucros altos e a economia em recessão. Isso não indicaria um desequilíbrio?
Temos hoje um sistema, cujo lucro, com a recessão, caiu bastante. Os lucros bancários acabaram caindo nos últimos tempos, porque os bancos tiveram de fazer provisão. Houve eventos econômicos e não econômicos, que levaram ao aumento da provisão e à redução da rentabilidade. Eu diria que o setor está em linha com o resto da economia.

O setor industrial, que precisa de créditos para tocar seus negócios, reclama muito da elevadíssima taxa de juros. O senhor acredita que a única maneira de se controlar a inflação é por meio da taxa Selic?
Hoje, o instrumento clássico dos bancos centrais no mundo é a taxa de juros. Quando se perde a capacidade de usar o instrumento, é o caso da taxa negativa, começase a utilizar a expansão quantitativa. Mas até chegar nesse nível, e estamos longe dessa situação, o normal é usar a taxa de juros. É preciso ter sempre um objetivo e um instrumento. E hoje nós temos a taxa de juros para controlar a inflação.

Ao longo do tempo, em função da poupança e por outras questões, gostaríamos de ver a taxa de juros de equilíbrio da economia menor do que é hoje. Porém, para isso, temse de trabalhar reduzindo a inflação, como também em questões que façam os juros caírem. Outros instrumentos pensados para controlar a inflação – todos, eu diria – já se mostraram inferiores. Por exemplo, usar a taxa de câmbio. Isso não funciona. Primeiro você controla, depois é obrigado a liberar o câmbio, e, quando libera, a inflação volta. Também é o caso do congelamento de preços. São controles que parecem fáceis, mas que acabam saindo com juros e correção monetária. Há escolas do pensamento econômico que defendem o estímulo à produção e a ampliação da oferta para a inflação cair.

Acredito que a forma de se pensar nisso é, de fato, aumentar a oferta. O que faz um país crescer mais, com inflação baixa, é o aumento da produtividade. Outra forma de dizer: “vamos produzir mais”. O problema é que precisamos saber como dividimos as responsabilidades. O Banco Central tem o papel de controlar a inflação e não existe mais nenhuma outra instituição com essa atribuição. Quem defende o consumidor? Do ponto de vista macro, é o BC.
Mas temos vários entes que nos ajudam a criar produtividade. O setor de infraestrutura, por exemplo. As reformas também vão ajudar a criar produtividade e aumentar a oferta. Mas se o Banco Central tiver de fazer as duas coisas ao mesmo tempo – controlar a inflação e cuidar das reformas que aumentam a oferta –, as coisas não vão funcionar.

Em países como a China e os Estados Unidos, por exemplo, a missão dos bancos centrais é bem maior do que aquela que prevê a Constituição no Brasil. Ela envolve questões como crescimento econômico e busca do pleno emprego. O Sinal defende a ampliação da missão do BC brasileiro. O que o senhor acha, é factível essa ampliação da missão para o nosso BC?
Aqui ela já acontece, acho que é apenas diferença de retórica. Quando se olha o banco central americano, o FED, ele tem uma dupla missão. No fundo, o que ele faz? Tem uma meta de inflação e cumpre a missão. Mas não vai deixar de contribuir para o crescimento, nos termos como falei anteriormente. 

No caso do Brasil, se o Banco Central tivesse um duplo mandato, acho que não ia mudar em nada sua forma de pensar. O Banco não ia deixar de atingir a meta e de perceber que inflação e crescimento não são substitutos, não são contraditórios. Para crescer, não precisamos gerar mais inflação. Tem muita retórica em toda essa questão. O que estamos fazendo, de fato, é criar condições para o crescimento por meio da estabilidade, da inflação mais baixa. E isso vai continuar.

O setor produtivo depende muito dos bancos, que na Constituição servem para promover crescimento econômico, gerar empregos. Só que, por conta da taxa Selic muito elevada, eles se encontram numa zona de conforto. Ou seja, continuam lucrando, mas não tendo de emprestar. Porque, durante a crise, houve uma retração e o estoque de créditos dos bancos privados ficou baixo (os empréstimos vinham dos bancos públicos). Qual é o grau de responsabilidade do BC diante da posição dos bancos de não emprestarem para o setor produtivo?
Tivemos, nos últimos dois, três anos, uma crise que tirou a confiança de todo mundo em investir. Nossos investimentos – e aí me refiro não só aos bancos, mas também às empresas, a todos os setores – caíram 25%. Uma queda importante, que tem a ver com a desorganização, com a falta de confiança. Tanto a oferta, quanto a demanda de crédito caíram.

 

E a forma de alavancar a vontade de se investir de novo é olhar as nuvens negras que estão aí e tentar aliviar, abrir um pouco o ambiente. Tenho a impressão de que nos últimos meses as coisas ficaram mais claras. Estabilizamos a recessão e há esperança de retomada. Começando a melhorar, vocês vão ver o sistema financeiro emprestando mais.

 

 

O Sinal está acompanhando de perto a tramitação do Novo Regime Fiscal, a famosa PEC 241, que agora está no Senado como PEC 55. Pelo que sabemos, ela limita as despesas primárias (fiscais, sociais, de investimento), mas não as despesas financeiras. Essa situação pode interferir nas atividades do BC?
Em primeiro lugar, uma vez limitado o crescimento das despesas e, portanto, o aumento da dívida, a taxa de juros estrutural da economia fica menor. Não é limitando à força a taxa de juros e a capacidade de trabalho do Banco Central que se avança. Se o governo nos dá uma meta, não deve limitar o instrumento. Não se pode ter um teto para o instrumento que é o mesmo que se usa para atingir a meta. Agora, nós acreditamos que uma vez tendo um teto para as despesas, a dívida cresce menos. E ela crescendo menos, há espaço para que os juros estruturais da economia caiam.


Gostaria que o senhor explicasse um pouco para o leitor da Por Sinal os conceitos de autonomia e independência do BC. Que tipo de autonomia o senhor considera importante para o BC cumprir suas tarefas?
Acredito que o Banco Central ter autonomia de usar os instrumentos para atingir os objetivos definidos pelo governo é o arranjo ideal. Ou seja, ter liberdade de usar os instrumentos para atingir os objetivos não determinados pelo próprio BC, mas pelo governo. Normalmente, usase a palavra “independência” quando o Banco Central, ao mesmo tempo, define o instrumento e o objetivo. Não é a nossa situação. 

Hoje, o objetivo é determinado pelo Conselho Monetário Nacional, organismo no qual há três ministros de Estado, sendo dois da área fiscal. O governo define a meta e o BC, usando seu instrumento com autonomia, deve atingir a meta definida. Assim entendo que deva ser. Já é assim o comportamento institucional de fato. Mas, por alguma razão, ainda não há uma lei sobre isso.

O senhor defende uma lei para a autonomia do BC?
Considero importante deixarmos de ser um dos poucos países que não tem uma lei de autonomia para o Banco Central. Eu defendo uma lei, na verdade, uma PEC, uma emenda constitucional. Nela deveria constar o objetivo do governo e a liberdade do BC pra executálo. Nesse caso, não seria só a inflação. Liberdade para fazer a política cambial, também, assim como fazer a supervisão de forma autônoma, independente. Da mesma maneira, pensando no supervisor, na sua proteção legal, para que possa realizar seu trabalho sem se sentir ameaçado legalmente. E, finalmente, essa lei teria de ser complementada com algum rearranjo orçamentário, financeiro, para poder dar essa liberdade que o Banco Central precisa.

Essa discussão da PEC, da autonomia, é algo para 2017, 2018?
Acho que para 2017.


Sobre o organismo que define as metas, que é hoje o Conselho Monetário Nacional, nós já tivemos um desenho em que outros setores da sociedade, de fora do governo, participavam do Conselho. Como o senhor vê a participação dos agentes econômicos nesse processo de definição das metas?
Acho que no Conselho Monetário Nacional deveriam estar os entes que têm a ver com as decisões do Conselho. No arranjo antigo, com a participação de outros setores, as decisões eram muito menos efetivas. Agora, de fato, temse um Conselho menor, no qual há uma divisão de trabalho. Há o Ministério da Indústria e do Desenvolvimento, o Ministério de Relações Exteriores, cada um tomando decisões que lhes dizem respeito. O arranjo melhorou muito nos últimos anos e eu acho que é o adequado, hoje.

Em relação à autonomia do Banco Central, e ao mandato, a preocupação do mercado é que o BC tenha tranquilidade para adotar suas políticas sem interferências políticas. Mas falase muito pouco também de blindar o Banco Central em relação ao lobby do mercado. O Banco Central está blindado a pressões do mercado?

Sim, eu acho que o mandato serve para garantir a liberdade de trabalhar sem pressões políticas ou de qualquer outra natureza ao longo do tempo. E hoje em dia, mesmo sem o mandato, como eu falei, temos a autonomia de fato. Hoje em dia, temos o presidente, os diretores, os servidores, todos trabalhando de forma autônoma em relação a qualquer pressão de fora. E temos também nossos instrumentos de controle, como o Comitê de Ética.

O ministro Meirelles já veio do mercado, o senhor também. É, portanto, natural que alguns possam pensar que diretores e ministros que saíram do mercado para ocupar a cúpula do BC adotem políticas de interesse do mercado. Existem mecanismos internos para evitar que isso ocorra?

Os ministros de um governo –, não só ministros, mas diretores também –, devem ser escolhidos por questões técnicas. Por seu conhecimento, pela sua eficiência. Isso que é relevante. Precisamos, cada vez mais, escolher técnicos, cuja capacidade é reconhecida, independente de onde eles vêm. O importante não é de onde vêm, mas a sua capacidade técnica e a sua capacidade de contribuir no cargo que vai ocupar.


O quadro do Banco Central hoje é de, aproximadamente, dois terços da dotação legal. Metade do território nacional conta com uma representação pequena do BC. Uma inclusão financeira passaria pela ampliação da presença do Banco, com mais representações Brasil afora?

O Banco Central precisa ter o quadro necessário para atender ao sistema. Nosso objetivo não é ocupar o Brasil, é fazer o melhor serviço possível. Devemos colocar pessoas onde são necessárias. Se houver necessidade numa determinada região, colocase lá. Nosso papel, como Banco Central, não é distribuir nossas representações equitativamente pelas regiões. É ser eficiente.


Após a crise de 2008, os bancos centrais no mundo todo reforçaram o corpo funcional. No Brasil, o BC diminuiu. Fora isso, por conta da crise que estamos vivendo, o governo já avisou que não vai ter mais concursos durante um bom período. Nós estamos, realmente, necessitando de mais quadros?
Está no Ministério do Planejamento nosso pedido para um concurso. Quando cheguei, já estava lá. E tem meu suporte pleno. Vamos trabalhar para esse concurso.

Hoje são tão poucos funcionários dedicados à supervisão bancária que o Banco Central depende de auditorias contratadas pelos próprios bancos, porque não tem gente para fiscalizar inloco. Não há um risco, para o consumidor bancário, ou para o investidor, de um banco estar cometendo irregularidades, fraudando, por conta dessa falta de fiscalização do BC?
Não, de maneira alguma. Eu vejo a fiscalização fazendo o seu trabalho, vejo como os servidores têm se dedicado. Por isso, digo que o trabalho da fiscalização não é falho. Ele está sendo bem administrado, bem colocado. Sem prejuízo de, se acharmos necessário, ter mais funcionários, pedir um concurso, como estamos fazendo agora, para complementar.

Um dos temas que vamos discutir no nosso congresso é a autonomia profissional do servidor do Banco Central, para que exerça plenamente suas funções, para que possa emitir livremente seus pareceres. O senhor acha essa questão importante e, de alguma forma, ainda falha na instituição?
Vejo os servidores tendo a autonomia que considero correta, que é a autonomia técnica. Nós precisamos de técnicos emitindo opiniões técnicas, sobre assuntos que eles entendem. Isso não significa que não deveríamos ter uma coordenação. Um banco central tem que ter um comando. Portanto, são dois níveis diferentes. Uma visão dos especialistas, dos servidores, de forma técnica. E uma coordenação, que cabe a nós, diretores. Porque, se não houver coordenação, a voz do Banco Central vai ser bem menor. Ninguém vai saber quem está falando, se é uma voz única ou não.

Falando agora num problema que é a escassez de troco. Pelo que sabemos, a lei dá exclusividade à Casa da Moeda do Brasil para produzir a moeda. No entanto, existe uma medida provisória autorizando a produção de moeda no exterior. O Brasil já importa o disco de moeda. Fechou uma fábrica de moedeiros, em Guarulhos. Na sua avaliação, essa produção no exterior traz riscos para o país, riscos de falsificação, por exemplo?
Acredito que o Banco Central tenha um papel fundamental de ajudar na questão do troco. O problema é como ajudar em momento de escassez. De um lado, mobilizar mais recursos junto às autoridades fiscais, aumentar o orçamento, colocar mais moedas. E estamos trabalhando nisso. Mas, por outro lado, garantir que a oferta produzida no Brasil seja suficiente. Uma vez que você tem dinheiro, dinheiro para fazer dinheiro, você tem que ter a capacidade de produzir.


Em função disso, fomos obrigados a editar uma MP para que não falte troco, na medida em que se não for produzido aqui e não vou entrar em todas as razões que podem levar nosso único fornecedor a não ser capaz de nos entregar o troco que a população precisa. Se a Casa da Moeda é capaz de produzir, de ofertar, nós vamos comprar tudo dela. Hoje em dia, há um esforço concentrado na Casa da Moeda. Eles estão trabalhando em até três turnos e máquinas foram consertadas. De fato, há uma preocupação conjunta do Banco Central e da Casa da Moeda em prol da população brasileira.

Com relação à prevenção à lavagem de dinheiro, o processo de repatriação que estamos vivendo, sem a declaração de origem dos recursos e mediante simples recolhimento de tributos, não poderia prejudicar o combate à lavagem de dinheiro?
Uma das questões relevantes sobre a lei de regularização, que fez parte de muitas discussões até o final, é que ela não absolve crimes de corrupção, de terrorismo, que não são anistiáveis. O que se anistiou foi a questão tributária, numa linguagem mais simples, o caixa 2. Não todos os outros crimes.

 

Por exemplo, na repatriação agora, os bancos estão fazendo a prevenção, acompanhando tudo. Um dos nossos desafios foi com o volume de pessoas regularizando seu dinheiro. Os bancos tiveram de fazer a checagem de todo mundo. A Prevenção à Lavagem de Dinheiro continua válida e às vezes é preciso um tempo hábil para a checagem, que não deixou de ser feita e não deixou de ser recomendada.

Ainda sobre a repatriação. Se o Banco Central tem responsabilidade pelo câmbio, como se formou esse montante de recursos de brasileiros no exterior, sem que houvesse algum tipo de regulação do BC?
O órgão central da prevenção à lavagem é o Coaf. O Banco Central tem um papel de auxiliar o Coaf dentro do sistema financeiro, recomendando aos bancos determinados controles e supervisionando se eles, de fato, estão fazendo isso.


Saiu publicado em uma coluna de jornal que, apesar da repatriação, o Brasil tem R$ 1,27 trilhão não declarado no exterior. Como tanto dinheiro, um volume absurdo, sai do Brasil e os órgãos de controle não conseguem detectar? Qual é a responsabilidade do Banco Central?

Esses números que saem fazem as manchetes, mas são difíceis de medir. Não é só o Brasil que tem essa lei de regularização, são praticamente todos os países. Essa busca de prevenção à corrupção, ao terrorismo, é internacional. Começou em 2001, depois do 11de setembro. Ali começou a fechar o cerco. E hoje, em 2016, 15 anos depois, as portas estão quase completamente fechadas.

Quais são os mecanismos de controle que o senhor acha que o Banco Central deve adotar a partir de agora?
Às vezes, são muitas fraudes, e isso é assunto de polícia. Mas existem outras questões que não necessariamente têm a ver com o papel de polícia. Hoje, a gente tenta evitar o sistema sombra, tenta evitar dar espaço para isso.


Há pouco tempo, discutiuse uma lei, a do Super Simples, que acabou de ser publicada agora. E o que o Banco Central fez? Foi à Presidência da República e pediu para vetar um dos artigos, que permitia, por meio da chamada empresa simples de crédito, que houvesse uma grande quantidade de intermediários financeiros, que não estariam regulados, e que poderiam estimular o sistema financeiro sombra. Esse é o nosso papel. Não é o de polícia, de correr atrás de quem frauda. Nosso papel é normatizar e tentar, de alguma forma, fechar o cerco.

A parceira do doleiro Alberto Youssef, Nelma Mitsue Penasso Kodama, declarou que a corrupção no Brasil chegou às proporções do chamado Petrolão por conta de deficiências dos órgãos de controle. Não há uma comunicação entre o Banco Central e a Receita Federal sobre operações de importação e exportação, por exemplo. A falta de comunicação não permitiu que a corrupção chegasse a esse nível?
Não. O que permite chegar a esse nível é a falta de punição. As pessoas cometerem ilícitos sem perceber que algo vai acontecer. A polícia não vai evitar todos os roubos no país. Mas, se o roubo não for punido, ele vai incentivar novos roubos. A pergunta que você está fazendo ao Banco Central é a mesma que perguntar para a polícia por que existem roubos, por que existem furtos. O que se pode fazer? Controles. Ninguém pode ficar impune. A sociedade precisa ter uma forma de controlar isso. O que incentiva a corrupção é a percepção de que não há consequências das fraudes. À medida que resolvemos isso, avançamos.

E eu acho que o país está avançando nos últimos tempos. Um avanço que custa, no curto prazo, mas que, no longo prazo, muda a percepção da impunidade. Acho que é isso que está fazendo a diferença. É a questão de que se alguém for pego, não é impune. E não o fato de se ter mais leis, mais controle, um monte de gente sair fechando, cerceando a liberdade das pessoas.

O Banco Central tem alguma política para estimular as cooperativas? Elas seriam uma forma de dinheiro mais barato para o pequeno comércio. O que é que o Banco Central pensa em fazer em relação a isso?
O cooperativismo é algo que vemos com bons olhos e que tem funcionado nos últimos tempos. Estamos cada vez mais participando de ações de cooperativa, vendo quais são as dificuldades e como podemos contribuir. O cooperativismo é muito importante, faz parte do nosso trabalho.

 

 


 

 

QUEM PAGA A CONTA?

EM 2015, 200 AGÊNCIAS BANCÁRIAS FORAM DESATIVADAS, PREJUDICANDO O CONSUMIDOR. BANCOS ALEGAM INSEGURANÇA COM A ONDA DE ASSALTOS, CRISE ECONÔMICA E AVANÇO DOS SERVIÇOS DIGITAIS.


ELANE MACIEL

 

 

Os frequentes assaltos a agências bancárias e explosões de caixas eletrônicos têm causado prejuízos incalculáveis à população e à economia das pequenas cidades no interior do Brasil, onde se registra a maioria dos casos. Os ladrões aproveitam a fragilidade na segurança pública desses municípios, que contam com reduzido efetivo policial, para agir e criar um clima de insegurança entre os moradores. Apenas no primeiro semestre de 2016, foram registrados mais de mil ataques em todo o país.

 

Não bastasse o horror das ações, o saldo se torna ainda mais negativo no caso das regiões que só possuem uma agência bancária, o que obriga a população a se deslocar quilômetros até a cidade mais próxima para efetuar uma simples transação bancária, como receber aposentadoria ou benefício de programas sociais, sacar dinheiro ou pagar conta. Com medo de assalto na volta para casa, as pessoas acabam fazendo as compras ali mesmo, estimulando o comércio fora da sua região.

 

A situação vivida por esses consumidores bancários parece não sensibilizar os bancos envolvidos. Depois de terem suas agências atacadas, eles levam até quatro meses para reestruturar os locais atingidos, quando não tomam uma atitude mais radical, fechando de vez suas agências. “Várias agências estão sendo fechadas definitivamente, por causa do ‘novo cangaço’, expressão usada para denominar esse tipo de crime, que cria clima de terror. Muitas vezes, a agência é a única fonte de circulação de moeda do local”, explica Gustavo Machado Tabatinga Junior, secretário de Políticas Sindicais da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). Quando se trata de ataque ao Banco do Brasil, a situação piora ainda mais para a população. “Em muitos municípios, o banco estatal faz o papel do Banco Central, cuidando da custódia do dinheiro e distribuindo às outras instituições financeiras. Se o Banco do Brasil for explodido, a cidade fica sem recursos, é um drama.”

 

A tendência ao fechamento de agências bancárias no país, não apenas por conta dos ataques do crime organizado, é uma realidade que parece não ter volta. Com isso, o projeto de inclusão financeira, tão importante para estimular o desenvolvimento e a qualidade de vida nas regiões mais pobres, e tão caro ao Sinal, fica enormemente prejudicado. Dados do Banco Central, divulgados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em junho passado, confirmam essa tendência. Em 2015, foram fechadas 200 agências, o que deixou a rede bancária com 22.900 unidades, patamar de 2013. Os números dizem respeito à atividade de 17 instituições financeiras responsáveis por 96% da rede física no Brasil.

 

A Federação credita essa redução à crise econômica que vive o país desde 2014, às estratégias de gestão dos bancos e à opção dos clientes de operar mais os canais digitais. Basta olhar o balanço do Itaú, referente ao primeiro trimestre deste ano, para entender esse movimento. Em um ano, março de 2015 a março de 2016, o banco fechou 154 agências físicas – reduzindo 2.902 postos de trabalho – e abriu 74 agências digitais. “O Banco Central tem de ter normas mais duras. Hoje, se o banco não tiver mais interesse na agência, fecha e vai embora, sem se importar o que isso vai ocasionar”, denuncia Gustavo Tabatinga, lembrando que muitas vezes o banco é o único da cidade.


SEGURANÇA É LEI
Mesmo diante de situação tão dramática, o problema da falta de segurança é tratado com descaso pelos bancos e autoridades locais, cada um empurrando a responsabilidade para o outro. Pela lei federal 7.102/83, todos os estabelecimentos bancários, incluindo agências e postos de atendimento, são obrigados a submeter à Polícia Federal um plano de segurança para que possam funcionar.

As instituições financeiras dizem que seguem à risca as determinações da legislação e têm acompanhado os ataques a caixas eletrônicos e agências com preocupação. Mas, para os bancários, o sistema de segurança é insuficiente e funciona mal. Faltam investimentos por parte dos bancos, e os estados não colocam efetivo maior de policiais para impedir esse tipo de crime. “Os bancos pagam para ver, eles não querem assumir a segurança fazendo a parte deles”, questiona o secretário da Contraf.

 

A Febraban, pelo seu lado, se defende alegando que o investimento das entidades financeiras em segurança alcança R$ 9 bilhões anuais, três vezes mais do que há uma década. “A maior parte desses recursos vai para segurança digital, e não para as agências físicas. O investimento dos bancos para que os crimes não ocorram está aquém do necessário”, rebate Gustavo. Seja como for, os crimes cometidos nas agências bancárias e caixas eletrônicos dizem respeito às políticas de Segurança Pública dos governos. Para a Febraban, é preciso combater as causas, impedindo que os bandidos tenham acesso fácil a explosivos, desbaratando as quadrilhas, lançando mão de ações de inteligência. Enquanto isso, a Contraf trabalha junto às Secretarias de Segurança

pública dos estados, discutindo medidas, e às Câmaras municipais, apresentando minuta de projeto de lei para debate e aprovação. A ideia é tentar unificar a política de segurança bancária nas cidades brasileiras. No projeto, os estabelecimentos financeiros bancos oficiais ou privados, caixas econômicas, sociedades de crédito, associações de poupança, agências, postos de atendimento, entre outros – ficam obrigados a instalar dispositivos de segurança em suas agências e postos de serviços situados no âmbito do município, tais como porta eletrônica de segurança, detector de metais, travamento e retorno automático, vidros resistentes ao impacto de projéteis oriundos de arma de fogo, sistema de monitoração e gravação eletrônico de imagem. Os vereadores de alguns municípios, como Recife, Fortaleza e Porto Alegre, já aprovaram projeto de lei com base nas sugestões da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro.

 

 

O DRAMA VIVIDO EM TODO O BRASIL


Os exemplos de agências fechadas se multiplicam pelos estados brasileiros. A população da região sul do Pará, como Tucuruí, Parauapebas, Marabá e Eldorado dos Carajás, vive uma situação bem complicada para realizar transações bancárias a partir das explosões de agências e caixas eletrônicos. Depois do quarto ataque, em menos de um ano, as agências do Banco da Amazônia e do Banpará de Eldorado dos Carajás foram fechadas definitivamente. Os moradores têm que se deslocar até Marabá pela Rodovia Transamazônica, completamente abandonada, que fica a 86 quilômetros e exige de quatro a cinco horas de viagem. Ou a Parauapebas, a 67 quilômetros.

“Nem os apelos da população e do prefeito conseguiram demover o banco estatal de abandonar o local”, conta Sandro Mattos, diretor do Sindicato dos Bancários do Pará. Outro município que passa pela agrura de não contar com uma agência bancária é Novo Repartimento, no Pará, divisa com Tocantins, depois da ação dos ladrões há mais de seis meses. O Banco do Brasil fechou para reforma e não tem data para reabrir.
No Paraná, por exemplo, nos últimos dois anos, uma série de agências e caixas eletrônicos foram destruídos em ações violentas, principalmente nos municípios de Curiúva e Sapopema cerca de 300 quilômetros da capital, Curitiba. Nesse período, Curiúva sofreu cinco ataques envolvendo o Itaú, o Bradesco e o Banco do Brasil. Este último levou mais de seis meses para voltar a operar. Em Sapopema, depois de duas ações semelhantes, o Itaú

decidiu fechar a agência. No mês de agosto, Sarapuí, em São Paulo, ficou praticamente sem caixa eletrônico, após ataques. O único que continuou funcionando foi o Banco do Brasil, mesmo assim sem dinheiro. O posto do Bradesco e a agência do Santander deixaram definitivamente a pequena cidade de 10 mil habitantes. Juqueí, litoral norte de São Paulo, chegou a ter 11 caixas eletrônicos, hoje não dispõe de nenhum. Em Pernambuco, o Banco do Brasil de Macaparana, na Mata Norte do estado, se encontra fechado há mais de três meses, depois de sofrer danos.

No Ceará, o cenário não é diferente: 17 agências continuavam fechadas, em junho de 2016. Em São Luís do Curu, de 12 mil habitantes, a 80 quilômetros da capital, Fortaleza, o BB, depois de ser assaltado quatro vezes, decidiu deixar a cidade pela falta de segurança. Os habitantes de Novo Oriente e de Independência, no Sertão cearense, também estão sendo obrigados a viajar para Crateús, a 50 quilômetros, para realizar transações bancárias, depois dos assaltos ao Banco do Brasil.

O mesmo sacrifício é imposto aos moradores de Aracoiaba, também no Ceará, que teve caixas eletrônicos explodidos – eles precisam viajar 22 quilômetros até Baturité. Recentemente, Sandolândia, município de 5 mil habitantes, a 450 quilômetros de Palmas, capital de Tocantins, que não tem agência bancária, sofreu a segunda explosão ao único caixa eletrônico (Bradesco) e não há previsão de quando voltará a funcionar.

 

 

 


 

 

 

 

 

EDUCAÇÃO E FINANCIAMENTO
 

ALDOMAR GUIMARÃES DOS SANTOS E NAILA GUIMARÃES DOS SANTOS



O financiamento da educação, principalmente a superior, tem relação direta com a política de ajuste fiscal do Estado colocada em prática no Brasil, especialmente, a partir dos anos 1990, ou seja, o ensino superior está atrelado a mecanismos e entidades de financiamento que não se preocupam com a essência do ensino, mas sim com o retorno do investimento.


Surge então um paradoxo: a educação é um fomentador do desenvolvimento, mas, para isso, precisa gerar resultados capazes de financiar novas pesquisas e impulsionar a maior inserção dos indivíduos e, com isso, atrair mais investimentos.

 

Nenhum dos organismos financeiros internacionais, dos quais saem nossos modelos de políticas públicas, têm como premissa a educação, mesmo que esta tenha ligação umbilical com o desenvolvimento e este com a capacidade de uma nação honrar seus compromissos financeiros e econômicos.

 

Os fundos utilizados para os dois instrumentos de fomento à educação existentes no Brasil saem do Orçamento da União, o FIES se dá por meio de desembolsos de recursos públicos e o ProUni por uma linha de financiamento originária da renúncia fiscal.

Ambos os modelos demandam algum tipo de sacrifício da sociedade, mas os resultados pífios apontados pelas entidades ligadas à educação, como o INEP e a UNESCO, demandam uma reflexão sobre a política de financiamento da educação superior pública brasileira e a sua relação com as metas de expansão dos indexadores econômicos. A principal fonte, o FIES, sofreu queda acentuada dos investimentos no ano de 2015, exatamente no momento de uma grande crise econômica. Será que foi deixando de investir em educação que nações como a Alemanha, Japão e Itália, derrotadas na Segunda Guerra Mundial, se reergueram e hoje fazem parte do grupo das dez maiores potências mundiais, econômica e politicamente?

 

Embora a resposta para esta questão seja NÃO – e ainda que fosse SIM – em que momento nós cidadãos fomos consultados para saber se queremos economizar com a educação?

O cerne da questão, portanto, parece ser a falta de participação da sociedade nas políticas de Estado, deixandonos à mercê de políticas de governo, que são cíclicas e vulneráveis a pressões de grupos de interesse.

Os Estados em todo mundo financiam a educação, pois a tratam como um investimento e não como uma despesa. E isso faz toda a diferença, já que investimento, diferente da mera despesa, não trará resultado imediato, pode ser que os resultados levem anos, não sejam tão diretos e mensuráveis, mas com certeza trarão ganhos e benefícios sociais.

Repensar a educação é, antes de tudo, repensar a forma de financiamento e direcionamento dos recursos para esta área, portanto, deve ser uma decisão de nação, de povo, suprapartidária, imune, e até mesmo blindada ante ao “mau humor” de “mercados”, seja lá quem quer que sejam estas entidades.

Não é simples tomar decisões, mas quem disse que é fácil administrar? Não existe manual e é possível que erremos em nossas escolhas, mas se todos estiverem decidindo em conjunto, os erros serão mitigados e os acertos potencializados. Investimento educacional, particularmente o financiamento, não pode ser tratado como propriedade do Sistema Financeiro, devendo ser escolha da sociedade. É a definição do futuro de um povo e deve ser tratado desta forma.

(*) ALDOMAR GUIMARÃES DOS SANTOS é Especialista do Bacen, Contador e Mestre em Controladoria, pela USP e Doutorando em Administração pela USCS.

(**) NAILA GUIMARÃES DOS SANTOS é Advogada e pósgraduanda em Legislativo e Democracia no Brasil pela Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo.