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2003

2014

 

 CARTA DO CONSELHO

 

Sinal, aos 30 anos, se prepara para o futuro

 

 

A edição nº 58 da revista Por Sinal é a primeira após as eleições gerais que indicaram Jair Bolsonaro como o próximo presidente da República do Brasil, para o quadriênio 2019 a 2022. Não restam dúvidas da importância desse momento, que abre um novo ciclo na vida política, econômica e social do país, com as esperanças e incertezas naturais à sua natureza.

As novas regras eleitorais, que afetaram, entre outros pontos, tempo de divulgação, veiculação e financiamento, transformaram esta eleição diferenciada das demais que a antecederam. A Por Sinal, que tradicionalmente produzia uma edição especial sobre as eleições, com base nas entrevistas dos principais candidatos ao cargo de presidente do Brasil, encontrou este ano dificuldades imensas para alcançar o seu objetivo, já que a campanha, em ritmo muito mais intenso, restringiu o tempo dos concorrentes para esse tipo de divulgação. Sem contar que candidatos, como o próprio vencedor Jair Bolsonaro, preferiram isolar-se em seus comitês, não concedendo entrevistas e nem sequer participando de debates com os demais postulantes ao cargo, adotando uma nova estratégia que privilegiava as mídias sociais.
Muito embora a decisão editorial tenha sido a de não produzirmos uma reportagem específica com as entrevistas que conseguimos fazer, muitas das respostas dos candidatos merecem ser destacadas, pela sua relevância, de forma a ajudar a construir um cenário daquilo que eles certamente imaginavam para o futuro do Brasil. E, porque não, para que possam servir como alerta àqueles que serão os atores políticos nos próximos quatro anos.

É o que procuramos fazer aqui, ao selecionar algumas respostas dos candidatos que conseguiram atender a nossa demanda, e que servem como complemento ou contraponto às matérias publicadas nesta edição da Por Sinal: “Crise Econômica – Os desafios do novo ciclo de crescimento”; “Reforma da Previdência – Futuro do trabalhador está em jogo”; “Reforma Tributária – A conta maior para os mais ricos”; “Reforma do Estado – Ataque aos privilégios: um tiro no pé”, temas que certamente dominarão o cenário político dos próximos meses.
Para resolver os problemas do “atual manicômio tributário”, o senador Álvaro Dias (PODE) sugere “a simplificação tributária com a aglutinação de sete impostos (PIS, Cofins, IPI, CIDE, IOF, CPP e CSLL), fim da papelada tributária e isenção do Imposto de Renda para famílias que ganham até R$ 5 mil. Trata-se de uma proposta viável, e a população reconhece a urgência desta reforma.”

De Fernando Haddad (PT), que disputou o segundo turno da eleição presidencial, duas respostas merecem destaque. Em relação à crise econômica, ele propõe “que além das medidas emergenciais para a geração de empregos, entendemos a necessidade de revogar a Reforma Trabalhista e de discutir o futuro do trabalho e a geração continuada de empregos de boa qualidade e remuneração”. Sobre a reforma do Estado, Haddad defende uma política de recursos humanos para o setor público “que leve em consideração, de modo articulado e orgânico, as etapas de seleção, capacitação, alocação, remuneração, progressão e aposentadoria. Consideramos fundamental associar a gestão das atividades profissionais e funções no setor público à ampliação da capacidade de prestar serviços de forma cada vez mais simples, ágil e efetiva. Entendemos que é preciso qualificar os concursos e conter a privatização e a precarização no serviço público, expressas pela terceirização irrestrita e pela disseminação de modelos de gestão e agências capturados e controlados pelo mercado.”

Para Guilherme Boulos (PSOL), o ajuste fiscal do atual governo só aprofundou a crise econômica: “Essa política de cortes de investimentos e gastos nas áreas de infraestrutura, saúde, educação, ciência e tecnologia, cultura e demais serviu para aprofundar a recessão brasileira e ampliar desigualdades. O ajuste fiscal acaba gerando desajuste porque com menos investimento público, aumenta o desemprego, levando à diminuição da arrecadação de impostos e a um aumento da dívida pública em proporção do PIB. A falta de uma agenda para o crescimento econômico sustentável e para a geração de empregos formais está tornando esta recuperação a mais lenta da história das crises brasileiras.”

Sobre a reforma do Estado, João Goulart Filho (PPL), deixou seu recado, definindo as prioridades: “Teremos, não só que crescer numericamente os servidores públicos, como valorizá-los mais. A prioridade será a sociedade e o desenvolvimento. Quando me perguntam de onde vamos tirar os recursos para atender a todas essas demandas, eu respondo que vamos reduzir ao patamar internacional os juros reais (juros nominais menos inflação), especialmente a taxa básica (Selic) que remunera os títulos emitidos pelo governo. Assim será possível destinar ao investimento público vastos recursos que, desde FHC, são desperdiçados em pagamentos de juros astronômicos. Vamos também suprimir as isenções distribuídas irresponsavelmente na farra das desonerações, revogar a Lei Kandir, que isenta de ICMS produtos e serviços destinados à exportação. Cobrar imposto sobre distribuição de lucros e dividendos. Revogar a isenção da contribuição previdenciária para o agronegócio. Vamos estabelecer um imposto progressivo sobre as remessas de lucros das multinacionais para suas matrizes no exterior. Revogar a lei que isenta de impostos as importações das petroleiras estrangeiras instaladas no Brasil. Combater de forma rigorosa a sonegação fiscal.”

Por fim, a candidata Vera Lúcia (PSTU) deixou clara sua posição crítica sobre o atual sistema tributário, sugerindo o que fazer para corrigi-lo. “Dizem que a carga tributária no Brasil é alta. O problema não é a sua magnitude, mas quem paga a maioria dos impostos no país. O sistema tributário regressivo que amargamos é reflexo (mas e também alimenta) da injusta distribuição de renda no país. Mas sua reforma, por si só, é incapaz de atacar as verdadeiras causas da desigualdade social que não reside somente na forma de distribuição da riqueza gerada. O problema está na forma como esta riqueza é produzida. Defendemos uma reforma tributária que desonere profundamente o consumo e se concentre no patrimônio e nas altas rendas. É completamente inexplicável, sob qualquer parâmetro, que a remessa de lucros, os dividendos, assim como os rendimentos sobre os títulos da dívida pública sejam isentos. Vivemos em um paradoxo, onde o Estado justifica sua dívida à baixa arrecadação e isenta os grandes capitais de impostos.”

SINAL COMEMORA
Às vésperas do segundo turno das eleições, porém, outro evento marcante viria a ser o centro das atenções do Conselho Editorial da revista: o 30º aniversário do Sinal – Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central.

De forma metafórica, podemos dizer que o Sinal nasceu do ventre da Constituição Federal de 1988, pois tão logo ela foi promulgada, em 5 de outubro daquele ano, garantindo finalmente aos servidores públicos civis o direto à livre associação sindical, iniciou-se o processo de registro oficial do Sindicato. Em 28 de outubro, apenas vinte e três dias depois da promulgação da Carta Cidadã, o Sinal passa a existir, exatamente na data que viria a ser, em 1990, o Dia do Servidor Público.

A Constituição de 1988 ainda garantia aos servidores públicos o direito de greve, a ser exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica, que, somado à negociação coletiva prevista na Convenção nº 151, de 1978, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), formavam o tripé de direitos fundamentais dos trabalhadores da Administração Pública nas suas relações institucionais.

É bom lembrar que a luta pelo pleno exercício dos direitos dos servidores, no coração do sistema financeiro nacional, iniciou-se muito antes da promulgação da Carta Magna de 1988, ainda no regime militar, mas continua até os dias de hoje e se projeta para o futuro próximo. Além da lei de greve, que ainda não foi regulamentada, a negociação coletiva, mesmo depois de tramitação exemplar — o Projeto de Lei de autoria do senador Antônio Anastasia (PSDB/MG) foi aprovado por unanimidade no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, teve seu texto integralmente vetado pelo presidente Michel Temer. E agora, pasmem, até a livre associação sofre com recentes ataques do Ministério do Planejamento, que, ao publicar a Instrução Normativa nº2/2018, passa a considerar toda a atividade sindical passível de compensação de horas. Com isso, inviabiliza a participação dos dirigentes das entidades representativas em ações que, ao defenderem o servidor público, de forma direta, também defendem os serviços públicos e, consequentemente, um melhor atendimento à população.

O Conselho Editorial, ao tempo em que parabeniza o Sinal e seus filiados, que são os que fazem o Sindicato, espera poder entregar aos seus leitores mais uma edição da Por Sinal, pautada pela isenção e pela independência, com matérias de interesse dos servidores, que ajude a entender melhor o que devemos esperar do amanhã que se aproxima e quais os caminhos a percorrer para fazer deste país uma nação voltada aos interesses de seus cidadãos.

Boa leitura.



 


SINDICATO NACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL (SINAL)


CONSELHO NACIONAL BIÊNIO 2017/2019

 

Presidente
Jordan Alisson Pereira

Belém
Reginaldo Bentes dos Santos

Brasília
Rita Girão Guimarães
Josina Maria de Oliveira
Renner Augusto Carmo Mascarenhas
Vania Maria Monteiro Couto

Belo Horizonte
Maria de Fatima Siqueira

Curitiba
Enrikson Antonio Falabretti

Fortaleza
Francisco de Assis Tancredi Soares

Porto Alegre
Gustavo Diefenthaeler

Recife
José Milton Bezerra

Rio de Janeiro
Sergio da Luz Belsito
José Aloísio Guimarães Sanches
Márcio Silva de Araújo
Nehemias Monteiro Junior

Salvador
Manoel da Cunha Filho

São Paulo
Iso Sendacz
Eduardo Stalin Silva
Aldomar Guimarães dos Santos 
Natalino Yoshimi Sakamuta


 

 

DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL BIÊNIO 2017/2019

 

Presidente
Jordan Alisson Pereira

Diretor Secretário
Renner Augusto Carmo Mascarenhas

Diretora Financeira
Ivonil Guimarães Dias de Carvalho

Diretor Jurídico
Sergio da Luz Belsito

Diretor de Comunicação
Paulo Lino Gonçalves

Diretor de Assuntos Previdenciários
Márcio Silva de Araújo

Diretor de Relações Externas
Epitácio da Silva Ribeiro

 

Diretor de Estudos Técnicos
Daro Marcos Piffer (licenciado)
Eduardo Stalin Silva

Diretora de Qualidade de Vida no Trabalho
Rita Girão Guimarães

Diretor de Ações Estratégicas
Gustavo Diefenthaeler

 


CONSELHO FISCAL NACIONAL BIÊNIO 2017/2019


Presidente
Ronaldo Ferreira (Curitiba)

Membros
Altino Almeida de Souza (Belém)
Ladislau Correa de Souza Neto (Rio de Janeiro)


EXPEDIENTE ANO 16 NÚMERO 58 NOVEMBRO 2018


Por Sinal

Revista do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central do Brasil


Conselho Editorial

Daro Marcos Piffer, Edil Batista Júnior, Epitacio da Silva Ribeiro, Jordan Alisson Pereira, Maria Juliana Zeilmann Fabris, Nehemias Monteiro Júnior, Paula Castello Branco Teklenburg e Paulo Lino Gonçalves.
Conselheiros suplentes: Renato Fabiano Matheus e Ricardo Luis Piccoli


Secretária: Sandra de Sousa Leal

SCS Quadra 01 – Bloco G sala 401 – Térreo

Ed. Baracat – Asa Sul – Cep 70.309900 – Brasília – DF

Telefone: (61) 33228208

nacional@sinal.org.br

www.portal.sinal.org.br

Contato com a Por Sinal: porsinal@sinal.org.br

 

 

Redação

Coordenação geral e edição: Flavia Cavalcanti (Letra Viva Comunicação)

Reportagem: Jefferson Guedes e Verônica Couto
Diagramação: Tabaruba Design

llustrações: Claudio Duarte
Impressão: Impressão: Ideal Gráfica e Editora Ltda
 Tiragem: 8.000

Assessoria de Comunicação do Sinal Nacional: Rapport.
www.rapportcomunica.com


Permitida a reprodução das matérias, desde que citada a fonte.

O Conselho Editorial não se responsabiliza pelas opiniões expressas nos artigos assinados.



 


 

 

Crise Econômica
Os Desafios do novo ciclo de crescimento

Teto de Gastos e concentração bancária travam investimentos públicos e privados.

 

JEFFERSON GUEDES

 


 

 

Brasil está passando por uma das piores crises da sua história. Não bastasse o drama dos 12,5 milhões de brasileiros sem emprego, há também uma crise de governabilidade que mina a confiança dos agentes econômicos. Por isso, o grande desafio do presidente eleito será articular uma plataforma mínima de coesão política que permita criar uma base para a reconstrução da economia.

 

Uma coisa é certa: Jair Bolsonaro precisará tomar medidas contundentes no primeiro ano de mandato para destravar os investimentos, que permanecem em níveis sofríveis, tanto na esfera pública quanto na privada. No caso da União, a Emenda Constitucional 95/2016, do Teto de Gastos, congela os investimentos públicos. Já no setor privado, um dos grandes problemas é o custo do dinheiro. O novo presidente conseguirá tirar o país da recessão sem enfrentar estas questões?

 

 


GASTOS X INVESTIMENTOS

“Há uma variável que deve ser checada para que possamos ver se está havendo recuperação econômica: é a variável investimento”. Esta é a visão de João Sicsú, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por este prisma, o cenário não é nada promissor, já que estamos com um dos níveis mais baixos de investimento da história brasileira. Em 2017, o volume de investimentos da economia brasileira registrou queda de 1,8%. Foi o quarto ano seguido de retração. No primeiro semestre de 2018, a taxa de crescimento, 3,6%, também não é animadora.

O problema ganha dimensão maior com a defasagem que a infraestrutura brasileira acumulou nos últimos 20 anos. Nas contas da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base, a ABDIB, o Brasil precisa investir R$ 300 bilhões por ano, pelos próximos 10 anos, para recuperar a infraestrutura do país e, assim, contribuir para a melhoria da competitividade global das empresas brasileiras.

Tamanha carência de investimentos é amplificada por uma visão imediatista do controle do déficit público, que motivou a criação de um limite para o crescimento das despesas primárias federais. Introduzido pela Emenda Constitucional 95, de 2016, o Teto de Gastos comprometeu projetos estratégicos para o país, como o Plano Nacional de Educação, e ainda reduziu sensivelmente as possibilidades de investimento do governo federal. Mesmo que o PIB alcance 2% ao ano, por exemplo, os investimentos públicos permanecerão congelados, em termos reais, não podendo crescer acima da variação da inflação em 12 meses até junho do ano anterior.

O estrago provocado pelo Teto de Gastos já pode ser medido. A edição de setembro do Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal, mostra que o investimento do governo previsto para 2019, da ordem de R$ 27 bilhões, é o menor em 14 anos. Em termos relativos, isso significa que os investimentos públicos retornarão ao patamar da década de 1990 (ver tabela na página ao lado).

Há um agravante: os valores orçados nem sempre são efetivamente gastos. Em 2018, por exemplo, o limite autorizado para investimentos atingiu R$ 31 bilhões, mas o gasto efetivo (até agosto) foi de 23 R$ bilhões. Os números comprovam que a Emenda do Teto produziu o engessamento do Estado brasileiro, fato particularmente danoso em um período de desemprego elevado e estagnação econômica.



Com as empresas em baixa, sem condições de investir, caberia ao Estado o papel de induzir o crescimento ou pelo menos promover ações para mitigar os efeitos da crise. Isso não é possível por conta das amarrações da Emenda Constitucional.

Até o Banco Mundial, que apoiou o congelamento dos gastos desde o início, divulgou um documento em agosto onde propõe deixar os investimentos públicos fora do alcance da regra. É verdade que, em troca, o Bird sugere um ajuste mais duro em gastos obrigatórios como benefícios previdenciários e salários de servidores. Seja como for, a posição do Banco Mundial reforça a percepção de que a Emenda 95 contribuiu para piorar as incertezas econômicas, ao contrário do que se dizia na época em que foi aprovada.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro defendeu a manutenção do Teto de Gastos. Paulo Guedes, o futuro superministro da Economia, já sinalizou sua preferência pela privatização de empresas públicas como forma de fazer caixa, sem alterar uma vírgula da Emenda do Teto.


RECEITAS VELHAS

Confirmada a eleição de Bolsonaro, Paulo Guedes reafirmou o compromisso do presidente eleito com o controle do gasto público. Além de priorizar a reforma da Previdência, o economista disse que o novo governo vai acelerar as privatizações e promover uma “reforma do Estado”, concentrando os esforços na redução dos gastos com a máquina pública e na redução de privilégios e desperdícios. Em relação aos investimentos, Guedes disse apenas que pretende definir corretamente os marcos regulatórios para investimentos na área de infraestrutura.

O discurso de Paulo Guedes segue a mesma linha adotada por Henrique Meirelles durante o governo Temer, ou seja, controlar o gasto público como pré-requisito para um programa de investimento consistente.

Segundo João Sicsú, essa discussão tem quase cem anos. E nas mesmas condições. Nos anos 1930, com a economia do mundo em depressão, o debate fazia sentido, a seu ver, porque não havia experiência acumulada sobre como tirar uma economia do atoleiro. Os governantes olhavam os indicadores econômicos, sobretudo a vertiginosa queda da arrecadação, e sentenciavam: é preciso cortar gastos.

Hoje, de acordo com o professor da UFRJ, a reflexão segue outro caminho. Partindo-se da premissa de que sempre há déficit público numa economia recessiva, a questão, para Sicsú, é saber qual a decisão correta para equilibrar o orçamento. É preciso fazer a economia crescer ou cortar gastos pra adequá-los ao tamanho da receita?

“Cortando gastos, o governo empurra a economia pra baixo. Então aumenta a dificuldade para equilibrar o orçamento. Cortando gastos, vai haver arrecadação que possibilite investimento? Não vai”, afirma. Por outro lado, acrescenta, “não adianta aumentar a arrecadação se for mantido este limite para aumentar os gastos”.

Autor do vigoroso estudo “Brasil: é uma depressão, não foi apenas uma recessão”, Sicsú entende que a insuficiência de demanda reduziu a ocupação da capacidade instalada existente e, mais ainda, diminuiu a realização de investimentos. Além disso, o professor da UFRJ faz uma curiosa relação entre o investimento público e o privado: “Toda vez que cai o investimento público, cai o investimento privado também”. Ele explica que isso acontece porque toda a economia se retrai quando o setor público corta gastos. Com menos consumo, a demanda encolhe e o empresário deixa de investir porque não consegue vender o que está produzindo.

Se investir é essencial para fazer girar a roda da economia, como articular a retomada de investimentos sem comprometer o controle do gasto público? Haveria um grau de déficit aceitável e também um nível de investimento necessário para retomar o desenvolvimento? “Só há consenso de que não se deve aumentar este déficit de forma abrupta, porque isso pode demonstrar alguma incapacidade do governo de honrar suas dívidas. Mas nós estamos longe disso, porque não tem ninguém no Brasil, hoje em dia, que ache que o governo vai dar algum tipo de calote”, argumenta Sicsú.


RECURSOS PARA INVESTIR

Em relação ao nível de investimento necessário, as opiniões se dividem. Para o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dyogo Oliveira, há espaço para crescer sem a necessidade de investimentos mais fortes, porque a utilização da capacidade instalada da indústria está baixa. De fato, a indústria brasileira opera atualmente 14,1% abaixo do pico de produção registrado em maio de 2011.

Sicsú, por sua vez, entende que não há nenhum argumento ou dados estatísticos que impeçam o investimento em época de recessão. Calibrar este investimento é o “x” da questão. Ainda que as previsões otimistas do FMI se confirmem — o órgão estima um crescimento econômico de 2,4% para 2019, impulsionado pelo consumo privado —, o professor da UFRJ não vê condições objetivas para que o Brasil possa fechar a década tendo recuperado o PIB de 2014. Para que o consumo aumente, avalia Sicsú, será necessário que a taxa de desemprego se reduza velozmente já que aumentos reais nos rendimentos dos trabalhadores não estão ocorrendo, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do segundo trimestre de 2018.

O professor da UFRJ defende o uso de parte das reservas cambiais (hoje avaliadas em US$ 380,9 bilhões) para impulsionar o desenvolvimento. “O governo não precisa pegar as reservas e transformá-las em investimento. Isso inundaria a economia de dólares e poderia prejudicar o setor produtivo. Mas o governo poderia contrair dívida para fazer investimentos e dar como garantia essas reservas.”

Paulo Guedes também pensa em usar recursos das reservas cambiais, mas para abater a dívida pública. O novo ministro recebeu o apoio do presidente do Itaú Unibanco, Cândido Bracher, que não aprova usar as reservas para investimentos. “Pagar dívidas já emitidas poderia ser saudável do ponto de vista fiscal, que é a redução da dívida pública”, afirmou Bracher em entrevista ao jornal O Globo.

Como se vê, a preocupação maior não é com o desemprego e sim com o aperto nos gastos. Falta uma agenda para o crescimento econômico sustentável. E isso pode piorar.


ORÇAMENTO VOLÁTIL

Paulo Guedes quer aperfeiçoar a regra do Teto com a introdução de uma técnica de gestão empresarial denominada Orçamento Base Zero. Em linhas gerais, trata-se de um orçamento que é estruturado sem levar em conta os gastos de períodos anteriores. Programas e atividades inseridos no orçamento de um ano não teriam sua continuidade assegurada no exercício seguinte. Cada elaboração do orçamento, cada dotação, seja nova ou preexistente, seria submetida a uma avaliação da relação custo-benefício antes de ser incluída na peça orçamentária.

A proposta implica na desvinculação total da aplicação de recursos federais. E aí reside a dificuldade inicial. Os orçamentos da Saúde e da Educação, por exemplo, são elaborados com base na obrigatoriedade que a União tem de destinar 15% e 25% da receita corrente líquida, respectivamente, para essas pastas. Se quiser fazer valer o Orçamento Base Zero, o novo governo vai precisar alterar a Constituição para permitir a desvinculação destas receitas carimbadas.

Outra alternativa seria a ampliação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que hoje permite ao governo federal usar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. Na prática, a DRU permite que o governo aplique parte dos recursos destinados a áreas como a seguridade social em qualquer despesa, inclusive no pagamento de juros da dívida pública.

Em tese, mudanças nas regras da DRU são mais viáveis, do ponto de vista político, até por se tratar de um assunto que a sociedade conhece pouco. Em 2016, por exemplo, o Congresso aprovou a PEC 31 que ampliou de 20% para 30% a desvinculação das contribuições sociais e econômicas que financiam a seguridade social. Na mesma iniciativa, o governo retirou da DRU impostos federais, como o IPI, que não poderão mais ser desvinculados. Ou seja, mudanças nas regras da DRU não causam comoção nacional, como a reforma da Previdência.

Seja qual for o caminho seguido, o fim das vinculações constitucionais existentes pode produzir um terremoto na gestão do Orçamento da União. Para o economista João Sicsú, a ideia é transformar o orçamento numa geleia geral, onde o governo e os parlamentares vão poder utilizar os recursos em que desejarem. A consequência, a seu ver, será dramática, pois a desvinculação total vai acarretar na “redução dos serviços públicos pelo Estado e no direcionamento desses recursos para favorecer banqueiros, multinacionais, latifundiários e milionários de todo tipo.”

O professor da UFRJ também relaciona o Orçamento Base Zero à promessa de Paulo Guedes de zerar o déficit público em apenas dois anos. Embora muitos economistas entendam que a meta não é exequível, argumenta Sicsú, caso seja levado a cabo o fim da obrigatoriedade de gastos mínimos, mais recursos da União ficariam livres, de fato, para reduzirem o déficit. O problema, acrescenta, seria o custo social da medida, que dificultaria a retomada econômica.

“A base para o equilíbrio no orçamento tem que ser a dinamização da economia e não o corte de gastos”, argumenta Sicsú.



OFERTA DE CRÉDITO

Virou moda criticar a concentração bancária. Com o spread nas alturas e os bancos batendo recordes de lucratividade, mesmo em tempos de crise, era de se esperar que o tema viesse à tona na disputa presidencial. Infelizmente, a falta de debates (sobretudo no segundo turno) impediu uma discussão mais aprofundada. Em vez de soluções concretas, prevaleceu um discurso genérico que atribui o elevado custo do crédito à falta de competição no sistema financeiro.

É sabido que a concentração bancária no Brasil é nociva à economia. Conforme dados divulgados pelo Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central, quatro grandes bancos — ItaúUnibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal — concentram 78,65% do mercado de crédito, ou seja, o grupo empresta cerca de R$ 4 de cada R$ 5 disponíveis para empréstimos.

Alguns especialistas entendem que cabe aos bancos públicos a tarefa de ofertar juros mais baixos e abrir uma linha de crédito especial para que os endividados possam reorganizar suas finanças. Pelo andar da carruagem, nada indica que veremos um protagonismo maior dos bancos públicos a partir da posse do novo presidente. Bolsonaro, por exemplo, tem dito que vai estimular a criação de novas fintechs para aumentar a concorrência na oferta de crédito.

É verdade que esta alternativa vem sendo debatida há algum tempo. O Brasil conta hoje com cerca de 280 fintechs.

Existe um enorme potencial para o crescimento deste setor se levarmos em consideração que há 60 milhões de brasileiros sem conta bancária. O mercado, no entanto, tem plena consciência de que as fintechs vão precisar de algo em torno de dez anos para diminuir a concentração bancária. Até lá, outras medidas serão necessárias para o Brasil enfrentar este problema de frente.

Segundo João Sicsú, o caminho para reduzir a concentração e ampliar a oferta de crédito passa pela regulamentação do mercado e pelo fortalecimento dos bancos públicos. Há exemplos mundiais neste sentido. A Alemanha, com suas caixas econômicas, e a China, com os seus sistemas descentralizados de gestão financeira.


Tudo isso parece distante no atual cenário político que estamos vivendo, onde predomina a ótica neoliberal de controle de gastos e enfraquecimento do Estado. Por isso, o professor da UFRJ deixa este alerta: ““A depressão é um fenômeno de longa duração, principalmente quando não são aplicadas políticas de recuperação através de gastos públicos. Essa é a experiência histórica”.


 

 

 


 


 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

Reforma da Previdência
FUTURO DO TRABALHADOR ESTÁ EM JOGO
CRÍTICAS A PRIVILÉGIOS SERVEM DE BIOMBO PARA ESCONDER DA POPULAÇÃO PERDAS QUE ATINGIRIAM A TODOS.

VERÔNICA COUTO

 

 


 

Tentar aprovar a Reforma da Previdência durante a transição de governo, e após a eleição para renovação do parlamento, é totalmente antidemocrático”, alertou o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Jordan Alisson Pereira. A preocupação se justifica, uma vez que o presidente da República eleito, Jair Bolsonaro, declarou ter intenção de retomar a PEC 287, que a gestão de Michel Temer havia desistido de votar por falta de apoio suficiente. “O novo governo precisa dar uma sinalização de que, no caso de querer apresentar nova proposta para uma mudança dessa envergadura, vai conduzir as interlocuções corretas e debater com as entidades”, avalia Jordan.

O relançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Previdência, no início de novembro, faz parte dos esforços para assegurar a ampla discussão do tema e garantir direitos e interesses do conjunto da sociedade. Segundo Rudinei Marques, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon Sindical) e do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), as informações que surgem sobre mudanças na Previdência têm sido contraditórias. Por isso mesmo é importante entender qual é de fato a proposta do governo e o calendário programado para ela.

“O momento é muito preocupante, com o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, querendo adotar o modelo chileno”, afirmou Rudinei. Ele lembra que, no Chile, onde a Previdência Social foi privatizada há 30 anos, a maioria dos aposentados recebe, atualmente, menos de um salário mínimo, e precisa de complementação financeira do governo. “Os aposentados não estão tendo recursos para comer.”

UM VILÃO PARA A NOVELA
O presidente do Fonacate observa que a Reforma Trabalhista, ao retirar muitos trabalhadores do mercado formal, prejudicou a arrecadação da Previdência. “Estes impactos não foram medidos e começam a prejudicar as contas. Não se pode admitir mais uma reforma feita às pressas, só para dar resposta ao mercado, sem se preocupar com o cidadão, que vai precisar da aposentadoria.”.

O biombo para esconder da população essas perdas seria a propaganda contra o que a mídia tem insistido em chamar de “privilégios” do funcionalismo. “É um discurso distorcido da realidade, que procura jogar a população contra o servidor público”, alerta o presidente do Sinal. Ele chama a atenção para o fato de que a previdência do servidor público civil já passou por ajuste anterior, em 2013, que fixou idade mínima de 60 anos e inseriu o sistema de capitalização para quem quiser receber benefício acima do teto — o mesmo praticado no Regime Geral.

A estratégia, segundo ele, aproveita a insatisfação da população com a qualidade dos serviços públicos prestados, muitas vezes devido às restrições orçamentárias federais. “Levantar a bandeira contra o serviço público passa a imagem irreal de que algo vai melhorar, ao mesmo tempo em que se esconde os prejuízos que serão impostos à previdência de toda a população. Falar apenas do servidor público também tira o foco da aposentadoria do militar, dos policiais, que têm um regime próprio, sem idade mínima.”

A proposta do governo Temer, pronta para ir a plenário, na avaliação de Jordan está muito desgastada e sem condições de corrigir eventuais problemas no sistema previdenciário. “O debate com as entidades não é corporativista. Buscamos fazer uma discussão dos problemas do país e trazer soluções”, defende.

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), que presidiu a CPI da Previdência encerrada em outubro de 2017, o atual modelo solidário de seguridade social brasileiro é estruturalmente superavitário e não precisaria de alterações normativas. O relatório da CPI apontou, apenas, necessidade de aperfeiçoamento nos seus mecanismos de controle e fiscalização, para melhorar a gestão e o uso dos recursos. O senador reeleito pretende debater com o novo governo formas de corrigir esses mecanismos, em vez de alterar o sistema do Regime Geral, estabelecido na Constituição.

As principais e mais polêmicas propostas da PEC 287envolvem a idade mínima para se aposentar e a metodologia de cálculo do benefício, tornando mais difícil alcançá-lo na integralidade. “Provavelmente essas alterações obrigarão as pessoas a trabalharem muito além dos 65 anos de idade”, avalia Floriano de Sá Neto, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip). Além disso, a proposta de Temer prevê a abertura ao mercado da previdência complementar dos servidores públicos, hoje oferecida em regime fechado pelo Estado (ver matéria na página 19). Uma mudança que, ele acredita, trará prejuízos para os segurados e para o país — já que esses recursos participam dos investimentos estratégicos em infraestrutura.

Os problemas de arrecadação do Sistema não derivam nem da idade nem do tempo de contribuição, avalia Paim. Mas, sim, de fraudes, desvios dos recursos para outras finalidades que não aquelas definidas na Constituição, judicialização das dívidas de grandes empresas e aumento no número de desempregados, consequência da crise econômica e da precarização do trabalho promovida pela Reforma Trabalhista.

“Há 30 milhões de pessoas vivendo com enorme dificuldade”, diz Paim. “Destas, 14 milhões estão desempregadas, 6 milhões em situação de desalento (quando as pessoas desistem de procurar emprego) e mais 8 milhões a 9 milhões vivendo de trabalho precário, de bico. E esta ampla maioria não contribui para a Previdência.”


TRABALHO PRECÁRIO

O chamado “trabalho intermitente”, autorizado pela Reforma Trabalhista, produz situações paradoxais, em que o empregado chega a ter que pagar do seu bolso ao empregador para cumprir o mínimo obrigatório de arrecadação, destaca o senador. Pela nova modalidade, não há uma carga horária mínima definida no contrato. O cidadão pode ser contratado para prestar uma, duas horas por dia, por semana, ou qualquer outro intervalo. No final do mês, caso esse total trabalhado não corresponda a um salário mínimo de rendimento, o contribuinte terá que completar para o empregador o valor da contribuição mínima.

“Se ele trabalhar 17 horas no mês, por exemplo, terá que devolver cerca de R$ 4,00 ao patrão, segundo estimativa do Dieese, para que seja feito o recolhimento à Previdência sobre o salário mínimo”, ilustra Paim. A esse quadro, ele acrescenta o retorno de grande parte dos brasileiros à linha da pobreza, sem emprego e sem poder de consumo, ou seja, sem girar a roda da economia.

O vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da Anfip, Décio Bruno Lopes, observa, ainda, que, a partir da Reforma Trabalhista, abonos, gratificações, diárias de viagem deixam de integrar a contribuição previdenciária. “O empregado recebe, mas o valor não é mais considerado na base de cálculo, nem da contribuição nem da aposentadoria.”

A terceirização integral das atividades das empresas também vai reduzir a arrecadação da Previdência. Segundo Décio Bruno, o empregado passa a ser empresário, ou microempreendedor individual e, em vez de salário, terá participação no lucro. Isso significa que, sobre esta remuneração, não será recolhida a contribuição de 20% da empresa contratante, nem a do segurado, que, por sua vez, varia de 8% a 11%. A distribuição de lucro não integra a base de cálculo de contribuição, explica.

Na sua avaliação, os impactos na arrecadação provocados pela Reforma Trabalhista e pela Lei da Terceirização serão ainda mais evidentes a partir de 2019. “Quem continua no mercado, não foi demitido, ainda está sob as regras anteriores. As consequências vão ocorrer com mais intensidade nos novos contratos vigentes, quando os desempregados voltarem ao mercado de trabalho. As relações trabalhistas serão regidas pela nova legislação. E aí vamos verificar as consequências maiores na arrecadação previdenciária”. O vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da Anfip responsabiliza as políticas nesta área do governo Temer e do Congresso por ajudar a implodir a arrecadação previdenciária, ao mesmo tempo em que as despesas continuam crescendo.


OS NÚMEROS DO DÉFICIT

Segundo dados preliminares da Anfip, a Seguridade Social apresentou uma necessidade de financiamento do Tesouro da ordem de R$ 57 bilhões em 2017, resultado, principalmente, da desaceleração econômica e do grande número de desempregados no país. Enquanto as receitas totais da Seguridade Social alcançaram R$ 780,3 bilhões, incluindo Saúde, Assistência Social (LOAS e Seguro Desemprego) e Previdência, as despesas bateram a casa dos R$ 837,2 bilhões.
É a segunda vez que o sistema registra déficit, desde 2005, quando teve início a série comparativa. A primeira foi em 2016. O sistema registrou, então, R$ 719,11 bilhões de receita, contra R$ 773,59 bilhões de despesas, fechando com R$ 54 bilhões no vermelho, já em resposta à crise que desacelerou a atividade econômica, e, com ela, a arrecadação.

Além da economia em recessão, com queda no faturamento das empresas e do número alto de desempregados, Décio Bruno avalia que a isenção de contribuição para as exportações agrícolas teve impacto importante no déficit da Previdência. Embora muitos dos críticos do modelo apontem como vilões os benefícios pagos aos trabalhadores rurais, ele afirma que há uma “imunidade” para este setor da economia. “Foram as exportações agrícolas que alavancaram o PIB, mas elas não contribuíram em nada para a Previdência”.

Junto com as desonerações de folha concedidas a alguns setores da economia, o governo federal tem a prática regular de refinanciar as dívidas previdenciárias das empresas. Os “Refis”, parcelamentos com redução de juros e de multas, foram apontados, na CPI da Previdência, como outro escoadouro de recursos do sistema de Seguridade.

No ano passado, de acordo com números da Anfip, houve mais refinanciamentos do que em 2016 e quase 100% de isenção para as multas, benefício estabelecido pelas Medidas Provisórias 766/2016 e 783/2017. “As consequências desses financiamentos vão acontecer, principalmente, em 2019”, avisa o especialista da Anfip. “São valores consideráveis”.

Já em 2018, houve ainda um refinanciamento para a área rural, além da redução de 2,4% para 1,7% da contribuição substitutiva da folha de empresa para acidente de trabalho. “Como se não existisse uma necessidade enorme de financiamento na área rural”, critica Lopes. Uma demanda, segundo os levantamentos preliminares da Anfip, da ordem de R$ 100 bilhões no ano passado. “Em vez de ser feito um trabalho para recuperar e otimizar a receita, o governo tem ido exatamente na direção contrária, tomando decisões que acabam por onerar ainda mais as contas da Previdência.”

Na área rural, os números iniciais da Anfip apontam para uma arrecadação total, em 2017, de apenas R$ 9 bilhões para uma folha de pagamento de benefícios da ordem de 120 bilhões. Esta receita fiscal foi 12, 5% maior à obtida em 2016, que fechou em R$ 8 bilhões, correspondente a uma folha de pagamento de benefícios de R$ 111 bilhões, 8% menor, em 2016. A PEC substitutiva, última versão de reforma da Previdência que tramitou no Congresso, não corrige essa distorção.

Com um novo governo eleito, o senador Paulo Paim acredita que tudo pode acontecer. “O gabinete de transição poderá articular uma nova tentativa de reforma da Previdência. Mas para isso terão que levantar a intervenção federal no Rio de Janeiro [que impede votação de emendas constitucionais], e colocar um Congresso em situação desconfortável para trabalhar sobre o tema.” Se aprovarem uma proposta que reduza benefícios, dificulte o acesso à aposentadoria (estabelecendo idade mínima e maior tempo de contribuição) ou quebre o tripé do modelo solidário de Seguridade Social, mantido por Estado, empresas e trabalhadores, para financiar saúde, previdência e assistência social, o senador acredita que estarão condenando o futuro dos trabalhadores brasileiros.

 

 

 

 

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

NOVO MERCADO PARA OS BANCOS

 

 

 

 

A Reforma da Previdência (PEC 287), elaborada pelo governo Michel Temer e que poderá voltar a plenário, permitirá a exploração pelo setor privado da previdência complementar dos servidores públicos, adverte o presidente da Anfip, Floriano de Sá Neto. O parágrafo 15A do artigo 40 da proposta, diz ele, transforma em previdência aberta o atual regime fechado que atende aos servidores por meio da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp).

“A iniciativa privada é a principal interessada. Trata-se de uma mudança substancial no modelo. A Funpresp é fechada, mas a previdência complementar aberta permite a competição e entrega este patrimônio aos bancos.”

São grandes as diferenças de gestão entre uma previdência complementar fechada, e as abertas, oferecidas pelas instituições financeiras privadas. A Funpresp não tem fins lucrativos e conta com uma diretoria colegiada, indicada pelo governo federal. Funciona com regras específicas que permitem a formação de poupança de longo prazo, destinada a financiar grandes investimentos em infraestrutura, de interesse do desenvolvimento nacional, em operações que os bancos privados em geral não oferecem. As atividades são controladas e fiscalizadas pelos Conselhos de Administração e Fiscal, que têm participação, embora minoritária, dos próprios segurados. “Somos seguradores, beneficiários e temos participação na administração. De certa forma, somos os donos. O dono é o participante.”

Já a previdência aberta é administrada diretamente pelos bancos, que têm o lucro como objetivo, compara Floriano. “O contribuinte não pode fazer a fiscalização direta da gestão e das definições de investimentos. É um mero investidor.” O que o parágrafo 15A do artigo 40 da PEC 287 faz, explica ele, é abrir uma brecha no sistema, permitindo que haja outros fundos. “O Ministério da Fazenda, por exemplo, pode resolver fazer uma licitação para uma previdência dos auditores fiscais, contratando o banco que ofereça o menor preço. É contraditório, porque envolve finalidades muito diferentes. E um retrocesso: vamos perder o controle sobre os nossos aportes.”

Para o presidente do Sinal, Jordan Pereira, neste cenário, uma opção seria garantir que se pudesse atribuir a governança dos recursos para os fundos de pensão dos diferentes segmentos de servidores, sob o guarda-chuva da Funpresp. “Se vou passar a gestão para um banco privado de grande porte, há um tipo de controle. Já no caso de um fundo municipal ou estadual, se essa transferência for feita para instituições de pequeno porte, com controles menores, há o risco de que investimentos temerários causem perdas nos recursos. Por outro lado, por exemplo, no Banco Central, se conseguirmos fazer com que o Centrus (fundo de pensão dos funcionários), administre os recursos, teremos uma governança maior até que na Funpresp.” Esta possibilidade, contudo, precisaria estar explícita no projeto.

A Reforma da Previdência dos servidores já foi feita em 2003 (PEC 41) e regulamentada em 2013. Atualmente, qualquer servidor que ingressa no sistema não tem mais integralidade nem paridade. “No entendimento da Anfip, a reforma para o servidor já está em pleno vigor. Todas as projeções indicam que a diferença entre o que o governo arrecada e o que ele paga está sob controle, representando um valor pequeno em termos de PIB. Portanto, acreditamos que não é necessária reforma para servidores públicos”, diz o presidente da entidade.

Pelas regras vigentes, o servidor se aposenta com teto igual ao do Regime Geral — R$ 5.645,80. Se quiser receber um benefício superior, precisará complementá-lo, com opção de aderir à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp). Neste caso, o resultado dependerá da contribuição definida, após 20 ou mais anos de participação.

 

 

 


METODOLOGIA INTERESSADA

 

 

Os dados do governo federal apontam um déficit para a Seguridade Social de R$ 292,4 bilhões em 2017, 13% maior do que no ano anterior. Os números são bem superiores aos do déficit de R$ 57 bilhões, obtidos no levantamento preliminar da Anfip. Segundo o vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da Anfip, Décio Bruno Lopes, há uma distorção metodológica nas contas oficiais. E explica:

“O governo soma todas as despesas previdenciárias ( incluindo as dos benefícios dos militares e demais servidores públicos), as despesas totais do Regime Próprio, e também as do Regime Geral. Só que quando se considera a contribuição dos servidores ativos e aposentados, ela não é incorporada no cálculo geral do governo. Não achamos essa metodologia correta. Se a Previdência faz parte da Seguridade Social, é preciso confrontar receitas gerais com as despesas gerais do sistema.”

A análise da Anfip se baseia no financiamento da Seguridade Social com as arrecadações da folha de pagamento, sobre faturamento, lucro, importação, recolhidas pelas empresas, e nas contribuições do segurado (descontadas do salário), além das receitas de concursos de prognósticos (loterias). Já os benefícios dos servidores, segundo o artigo 40 da Constituição, são responsabilidade do orçamento da União: 22% de participação do governo e 11%, do servidor, e estes não entram no cálculo.

 

 

 


 

 


 

 

A conta maior para os mais ricos
Ideia é promover justiça fiscal, reduzir desigualdade e garantir recursos para investimentos públicos.


 


 

É consenso entre amplos setores da sociedade que o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro só estimula a distribuição injusta da renda, aumentando significativamente a desigualdade social. Os números são claros: a alíquota efetiva do Imposto de Renda, levando-se em conta rendimentos tributáveis e deduções, parte do patamar de 7,5% e vai subindo até chegar a algo entre 12% ou 20%, conforme o número de dependentes, pensão alimentícia ou outras especificidades, na faixa de 40 salários mínimos (R$ 38 mil). Neste ponto, a carga tributária começa a cair, podendo despencar a 2% para o seleto grupo de cerca de 29 mil contribuintes que ganham acima de 320 salários por mês, ou R$ 305 mil. A partir daí, quanto mais o cidadão ganha, menos paga imposto, explica Charles Alcântara, presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).

Atacar essa lógica regressiva, promover justiça tributária, reduzir a desigualdade e assegurar recursos para investimentos públicos são alguns dos objetivos da Proposta Tributária Solidária. Desenvolvido pela Fenafisco e pela Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal (Anfip), o documento contou com o apoio do Conselho Federal de Economia (Cofecon), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), da Fundação Friedrich Ebert Stiftung Brasil (FES), do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), do Instituto de Justiça Fiscal (IJF) e da Oxfam Brasil.

As diretrizes fundamentais para o projeto foram consolidadas no livro “A Reforma Tributária Necessária: Diagnósticos e Premissas”, elaborado por mais de 40 especialistas, e lançado em junho (ver Por Sinal 57). Com base neste estudo de mais de 800 páginas, a Anfip e a Fenafisco editaram, em 17 de outubro, um documento-síntese chamado “A Reforma Tributária Necessária — Justiça fiscal é possível: subsídios para o debate democrático sobre o novo desenho da tributação brasileira”, com medidas concretas para efetivar a mudança do sistema tributário brasileiro.

Este novo desenho tributário prevê, por exemplo, quase duplicar as receitas da tributação sobre a renda, o patrimônio e as transações financeiras — de R$ 472 bilhões para R$ 830 bilhões, um incremento de R$ 357 bilhões. Em contrapartida, sugere reduzir a tributação sobre bens e serviços e sobre a folha de pagamentos em R$ 310 bilhões. Essas receitas podem cair 21,5%, de R$ 1,439 trilhão para R$ 1,129 trilhão.


QUEM PAGA A CONTA

“O Imposto de Renda, hoje, é o imposto da renda do salário e quem o paga são os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos, enquanto aqueles que têm outros rendimentos não pagam”, critica Floriano Sá Neto, presidente da Anfip. Ele observa que os impostos sobre herança no Brasil, de competência estadual, oscilam de 4% a 8%, com a maior parte dos estados cobrando na faixa de 4%. Nos Estados Unidos, diz, a tributação sobre herança chega a 40%. A alíquota efetiva do IR despenca conforme os valores de rendimentos sobem porque, embora nominalmente ela aumente, a parcela dedutível também é progressiva, permitindo descontos cada vez maiores no total a pagar. Estudos da Receita Federal consultados pelas entidades mostram que o imposto é progressivo até 40 salários mínimos. A partir deste patamar, torna-se regressivo porque nas faixas altas — de 160 a 240 salários mínimos — 70% dos rendimentos são identificados como operações de distribuição de lucros ou dividendos, isentas de imposto.

 

 

 



A reforma defendida pelas entidades não implica aumento da carga tributária, atualmente de 32,4% do PIB. Embora inferior à média dos países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 34,1%, o patamar nacional é criticado pela insuficiência de retorno à sociedade. O objetivo é o seu deslocamento: reduzir os impostos indiretos sobre os produtos e serviços, que hoje respondem por cerca de 50% da arrecadação total, e aumentar os impostos diretos sobre as rendas mais altas (ver tabela ao lado).

A tributação indireta, que atinge todos os consumidores, ricos e pobres, indistintamente, inclui contribuição do INSS, PIS, Cofins, encargos sobre a folha de pagamento de salários, impostos que são diluídos nos preços das mercadorias, e pouco percebidos pela população. Sobre o óleo diesel, Floriano Sá Neto estima que a participação do imposto chegue a 40% e sobre os demais combustíveis, pode alcançar 25% em alguns estados.

“Tornar o imposto mais progressivo por meio da tributação direta sobre os ganhos de capital, a renda e o patrimônio ‘oculto’ dos mais ricos, seria a meta a ser alcançada. Precisamente no tocante ao mais notório imposto direto — o que incide sobre a renda das pessoas físicas — não há razão ética, econômica ou jurídica capaz de justificar a manutenção de sua incidência praticamente restrita às rendas provenientes do trabalho, ao passo que as provenientes do capital sigam há mais de vinte anos a salvo de tributação, como ocorre com a distribuição de lucros e dividendos”, chamam a atenção os presidentes da Anfip e da Fenafisco, no texto de apresentação do documento de diagnósticos e premissas.


NOVA TABELA DO IR

Para inverter essa relação, as medidas indicadas na proposta incluem uma nova tabela de IR. Hoje, a alíquota máxima é de 27,5% para todos os que ganham a partir de R$ 4.897,91. As entidades querem estender a isenção do imposto para quem ganha até quatro salários mínimos (o teto é de dois mínimos) e estabelecer novos patamares para rendimentos mais altos, na faixa de 35% e 40%, que incidiriam sobre todas as rendas. Isto significaria passar a contabilizar, na base de cálculo, também os lucros e dividendos, isentos desde a Lei 9249/95, do governo Fernando Henrique Cardoso, e que, sozinhos, gerariam receita adicional anual de R$ 80 bilhões. Grandes fortunas, incluindo patrimônio imobiliário, também seriam tributadas com alíquotas em torno de 0,5%, que poderiam proporcionar algo perto dos R$ 37 bilhões, segundo a estimativa de Charles Alcântara, da Fenafisco.

“Se conseguirmos reduzir os impostos indiretos de cerca de 50% para 34%, por exemplo, ampliando a tributação na renda, já teremos um sistema menos regressivo”, diz Alcântara, lembrando que esta é uma diretriz constitucional. “A Constituição Federal estabelece os critérios da progressividade [maior imposto para quem pode pagar mais], generalidade [sobre todas as rendas] e universalidade [para todas as pessoas].”

Neste sentido, o presidente da Fenafisco adianta que a Reforma Tributária Solidária também recomenda enfrentar as renúncias fiscais, da ordem de R$ 257 bilhões ao ano, promovendo a volta da tributação sobre produtos primários e semielaborados, inclusive na agricultura, cujas vendas externas são isentas de impostos. Segundo Alcântara, em 2017 a renúncia aumentou, tendo correspondido a quase 1/4 das receitas da União. “Estamos vivendo uma grave crise fiscal e não vamos arrecadar?”, questiona, apontando como principais beneficiários dessa política grandes empresas e conglomerados, com fortes lobbies no Congresso.

“Na exportação de commodities, por exemplo, o que arrecadamos do mundo rural é muito pouco diante do que geramos de riqueza. Tudo o que é exportado é isento. Consideramos insustentável manter a imunidade tributária nas exportações de produtos primários. Ela é um sintoma de um país que não saiu do colonialismo. Continua exportando para o mundo commodities e minério — matéria prima —, e importando produtos de valor agregado”, diz. Um desenho que, na sua avaliação, promove a desindustrialização do Brasil e gera empregos fora do país.
A proposta também prevê um imposto ambiental, uma das premissas básicas do projeto. A Europa já possui esse tipo de tributo, que responde por 6% da arrecadação, com meta de chegar a 10% até 2020. No alvo do novo imposto estão os agrotóxicos, atualmente isentos, o material plástico, os minérios e outros produtos obtidos em atividades de grande impacto no meio ambiente, como as chamadas externalidades nocivas.


FOCO NA JUSTIÇA FISCAL

O modelo solidário das entidades não deixa de lado a preocupação em simplificar o sistema, objetivo prioritário de minuta de reforma tributária do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que vem sendo discutida na Câmara Federal. E, a exemplo desta, pede a criação de um IVA — Imposto sobre Valor Agregado, para concentrar e substituir os tributos cobrados sobre bens e serviços. Diferentemente do projeto de Hauly, contudo, não pretende extinguir as fontes de receita destinada à Seguridade Social e sua prioridade não é a desburocratização, mas a justiça fiscal.

“Nossa premissa é o financiamento da proteção social. Também propomos um IVA, mas a junção de nove espécies de impostos na proposta de Hauly não se preocupa com as receitas que estão vinculadas à Seguridade Social. O nosso modelo de proteção social não abre mão disso. Por isso é preciso que se crie um mecanismo específico destinado ao orçamento da Seguridade, seja um adicional no IR, ou um IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas)”, explica.

Na opinião do presidente da Fenafisco, a Reforma Tributária Solidária deveria anteceder a qualquer outra que um novo governo pretenda fazer, inclusive a da Previdência. “Com base nela, vou saber o tamanho do Estado, qual pacto vamos precisar fazer. Hoje, com a PEC dos Gastos, se a Receita Federal se esmerar ao máximo, conseguir ser mais efetiva para arrecadar mais, não vai adiantar nada, porque não posso gastar mais.” Com a progressividade, Alcântara argumenta que ganharia todo o sistema produtivo brasileiro. “Um modelo tributário moderno e desenvolvido melhora o ambiente de negócios e permite aliviar o orçamento da maioria da população, para que volte a consumir.”

 A proposta da Reforma Tributária Solidária já foi debatida no Congresso e com vários agentes econômicos que poderão apoiar a iniciativa nas suas bases estaduais, entre eles o Conselho Nacional de Secretários de Fazenda (Consefaz). A Fenafisco também conta com fiscais associados das três instâncias de poder atuando em estados e municípios para avançar nas articulações políticas a favor do projeto.

 

 


Os 10 mandamentos da Oxfam

A reforma tributária é o segundo ponto das “Dez Ações Urgentes Contra as Desigualdades no Brasil”, propostas para o novo governo pela Oxfam — confederação internacional que reúne 20 organizações e mais de três mil parceiros, em 90 países, na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça, por meio de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais. Para Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, é necessário rever o desequilíbrio atual, que faz com que os pobres arquem com maior peso — 32% da carga tributária —, contra 21% sobre os mais ricos, de acordo com dados de 2015 do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

“Em todos os países com níveis de desigualdade baixos, a progressividade da tributação é alta, como no caso das grandes economias desenvolvidas da Europa e América do Norte. Ela funciona para financiar o Estado de maneira sustentável e fazer os investimentos em saúde, tecnologia, educação pública de qualidade, os meios pelos quais uma nação acaba se desenvolvendo. E para que o desenvolvimento não seja apropriado por um grupo pequeno, como acontece no Brasil e em outros países latino-americanos.”

Em 2015, diz o documento-síntese da Reforma Tributária Solidária, os 10% mais ricos da população se apropriavam de 55,3% da renda nacional e a participação da renda dos 50% mais pobres era de apenas 12,3%. “Um projeto de reforma tributária para o desenvolvimento deve levar em conta que, nos últimos 60 anos, o Brasil nunca contou com políticas nacionais de habitação popular, saneamento básico e mobilidade urbana que fossem portadoras de recursos financeiros e institucionais compatíveis com os problemas estruturais agravados desde meados do século passado em função da acelerada urbanização”, escrevem os autores. “Esse cenário sugere que, para que se enfrentem as múltiplas faces das desigualdades sociais brasileiras, é necessário que a reforma do sistema tributário nacional seja pensada na perspectiva do desenvolvimento nacional, espelhando-se na experiência dos países capitalistas desenvolvidos que são relativamente menos desiguais que o Brasil.”

 



 


 

 

A PARTILHA TRIBUTÁRIA EM NÚMEROS

O documento-síntese “A Reforma Tributária Necessária - Justiça fiscal é possível: subsídios para o debate democrático sobre o novo desenho da tributação brasileira”, lançado em 17 de outubro, detalha uma nova estrutura tributária, menos regressiva, indicando a criação, substituição e extinção de tributos para um modelo mais progressivo, capaz de reduzir a desigualdade no país. O documento também apresenta cenários e simulações relativas à arrecadação e à distribuição de renda. Alguns pontos em destaque:



O caráter regressivo do modelo nacional é visível na reduzida participação relativa do imposto sobre a renda na arrecadação total (18,3%), em relação à média dos países da OCDE (34,1%). A proposta quer elevar essa participação a 30,69%. Da mesma forma, a participação da tributação sobre patrimônio na receita fiscal passaria dos atuais 4,4% para 8,03%, fatia superior à média da OCDE, de 5,5%.

Na outra ponta, a participação relativa dos impostos sobre o consumo no Brasil, de 49,7%, cairia para 36,76%, descendo a níveis equivalentes aos da OCDE, cuja média é de 32,4%. Seu peso no PIB baixaria de 16,23% para 12,93%, pouco acima do padrão da OCDE, de 10,9% do PIB.

renúncia e evasão fiscal, recursos que são transferidos para as camadas mais abastadas e, deste modo, aprofundam o caráter regressivo da tributação, totalizam cerca de 12,8% do PIB, patamar próximo do montante de receitas obtidas pela tributação de bens e serviços (16,23% do PIB). Juntas, as isenções fiscais concedidas pelo governo federal e a sonegação representam cerca de R$ 900 bilhões anuais, 64% do total da Receita Tributária arrecadada pela União, de R$ 1,4 trilhão, e quase a metade do total da Receita Tributária arrecadada pelos três níveis de governo — R$ 1,9 trilhão. Por isso, o documento propõe rigor na revisão das renúncias e no combate à sonegação, para fazer surgir novas fontes de financiamento.

A simplificação da tributação é um objetivo, mas assegurando a preservação do Estado Social e ampliando a progressividade. O Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) substituiria o atual quadro composto por 27 leis estaduais de regulação do ICMS e 5.570 leis municipais do ISS. Mas, em vez da prática atual de isenção aplicável aos bens de primeira necessidade (como alimentos e medicamentos), para reduzir a tributação sobre o consumo das camadas de menor renda, a proposta seria adotar uma espécie de “Renda Básica Tributária”, que consiste na devolução do imposto aos consumidores cadastrados nos programas sociais do governo.

Para reduzir a regressividade, seria feito um corte de 30% na contribuição patronal da folha de pagamentos e reduzida a tributação de bens e serviços. Essas medidas trariam perdas aparentes de receita da Seguridade Social estimadas em R$ 306,2 bilhões, como resultado da extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Lucro Presumido, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), e da redução no valor de Outras Contribuições Previdenciárias.

Novos impostos, mais progressivos, e o aperfeiçoamento de outros, iriam compensar a extinção destas fontes de receita para a Seguridade Social, proporcionando um acréscimo de arrecadação de R$ 223,8 bilhões: Contribuição Social sobre Altas Rendas da Pessoa Física (CSPF); modulação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) — Lucro Real; Contribuição Social sobre o Valor Adicionado (CSVA); Contribuição Social sobre Movimentação Financeira (CSMF). Seria ainda necessário revogar a Desvinculação das Receitas da União (DRU), para recuperar esses recursos — estimados em R$ 85,7 bilhões — em favor do Orçamento da Seguridade Social, que no balanço geral da reforma, acabaria ligeiramente favorecido, passando dos atuais R$ 561,2 bilhões (valor líquido atual) para R$ 564,5 bilhões.

A proposta de Reforma Tributária promete melhorar significativamente a distribuição de renda no Brasil. Não só considerando-se a renda disponível, quanto a renda após os impostos indiretos. São esperadas melhorias nos índices do Coeficiente de Gini — um número entre 0 e 1, onde 0 0 corresponde à completa igualdade e 1 à completa desigualdade (quando uma pessoa recebe todo o rendimento e as demais nada recebem). Na renda disponível, o índice de Gini cairia de 0,578 (situação atual) para 0,552 (proposta), atingindo padrão similar ao da OCDE para os efeitos da tributação direta. Na renda após a tributação indireta, passa de 0,612 (atual) para 0,571 (proposta), obtendo um ganho distributivo de 6,6%.


 


 

 

 


ATAQUE AOS PRIVILÉGIOS: UM TIRO NO PÉ

Mito do Estado inchado e ineficiente ameaça políticas de bem-estar social. Quem paga a conta é a população mais pobre.
 

 



 

Com a iminência de um novo governo, de perfil liberal, as discussões sobre as futuras políticas públicas para o país precisarão enfrentar a desconstrução de um mito, que ameaça o bem-estar social do conjunto da sociedade. Trata-se da ideia de que a máquina pública está inchada, há funcionários demais nas três esferas do governo (federal, estadual e municipal), e é preciso enxugá-la, sem piedade, combatendo privilégios e desperdícios. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou inúmeras vezes que entre as principais ações para resolver a crise fiscal estão, em ordem hierárquica, a Reforma da Previdência, as privatizações e a Reforma do Estado.

Antes mesmo das eleições presidenciais, o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) divulgou nota denunciando os interesses que movem a campanha de desmoralização do servidor público: “Fica cada vez mais evidente que a declarada campanha governamental contra o servidor público, repercutida com estardalhaço pelos grandes órgãos da imprensa, imputando privilégios onde enxergamos direitos, rasgando a Constituição Federal ao suspender reajustes salariais legalmente concedidos e aumentar a contribuição previdenciária, que passa a ser arbitrariamente progressiva, sem qualquer consideração de caráter técnico a ampará-la, é fruto de uma conspiração, de modo a enfraquecer o Estado brasileiro e os serviços públicos que atendem diretamente o cidadão.”

A mesma preocupação foi manifestada pelo secretário-executivo da Afipea Sindical (Associação e Sindicato dos Funcionários do Ipea), Roberto Gonzalez, no final de setembro, em apresentação no Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate). “Nós não podemos rodear esta questão — isto não é verdade e isto precisa ser dito”, alertou. Os ataques aos funcionários públicos camuflam, ressaltou, programas econômicos que pretendem extinguir ou tornar cada vez mais precários os próprios serviços oferecidos pelo Estado à sociedade. Os mesmos que, numa contradição aparente, a população gostaria que fossem aperfeiçoados e expandidos.

A expressão “inchaço da máquina”, martelada com insistência por jornalistas econômicos e políticos, parece sugerir que o funcionalismo se resume a gabinetes em Brasília ou a empregados em funções desnecessárias. Desse modo, as pessoas não percebem que estão tratando, também, de professores ou de médicos, cuja expansão de quadros é frequentemente prometida pelos governantes aos eleitores. Para rebater dados distorcidos sobre a administração estatal, como aqueles apresentados no relatório “Um ajuste justo, análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, encomendado pelo governo federal ao Banco Mundial, o Fonacate e a Afipea lançaram, em abril, o estudo “Que serviços públicos queremos?” (ver reportagem “O desmonte do serviço público”, em Por Sinal nº 57, de junho de 2018).

“Quando falamos no ‘serviço público que queremos’, estamos falando de mais pessoas nos serviços prestados à população que estão assegurados pela Constituição no seu artigo 7”, explica Gonzalez. Ele lembra que o Brasil é o único país na América Latina que oferece sistema de saúde universal, com o SUS, e previdência praticamente para todos. Mesmo assim, tem proporcionalmente menos funcionários públicos do que os Estados Unidos, onde a aposentadoria está disponível apenas em planos privados e a saúde gratuita é restrita a idosos e a cidadãos abaixo da linha da pobreza.


INTERESSES PRIVADOS
No Brasil, os funcionários públicos são cerca de 12 milhões. Destes, um terço são militares. O funcionalismo brasileiro representa 12% das pessoas ocupadas no país, patamar inferior ao da administração americana, de 16,5%, aí excluídos os militares, e aos 22% da média registrada nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), incluindo todas as esferas, no período entre 2009 e 2013.

O segredo não revelado das propostas de Estado Mínimo é que ele não exclui efetivamente o Estado, mas seleciona onde o poder público vai atuar, privilegiando, quase sempre, interesses de grupos econômicos privados. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma tendência em reduzir o número de funcionários que trabalham com cuidados para a população, e em aumentar o aparato repressivo, com mais policiais. Um movimento que também já se verifica no Brasil, na conjunção que reúne as políticas de austeridade com o ataque ao serviço público.

“O inchaço é um mito, não podemos aceitar”, diz Gonzalez. “Caso contrário, estaremos aceitando as políticas de cortes e precarização que vêm na sequência.” Estado mínimo é, quase sempre, sinônimo de perda de qualidade de vida para a população. Os países com mais servidores públicos têm os melhores Índices de Desenvolvimento Humano. Na Dinamarca, por exemplo, o funcionalismo público representa 32,9% da força de trabalho.

Neste sentido, o discurso que prega o encolhimento do Estado brasileiro está na contramão da realidade do país, onde as demandas sociais devem aumentar significativamente nos próximos anos. A Reforma Trabalhista — que introduziu regimes precários de contratação, como o trabalho intermitente — e a transição demográfica, com o envelhecimento gradativo da população, são alguns dos fatores que vão exigir a oferta de mais e melhores serviços públicos. “Todo mundo lembra da transição demográfica na hora de falar da Reforma da Previdência. Pouca gente lembra que uma população envelhecida requer serviços, não apenas desconto em farmácias, mas cuidados, que são intensivos em trabalho”, pondera Gonzalez.

Outro aspecto importante é que o país conta, hoje, com 40 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o equivalente a dizer que 45% de sua mão-de-obra está ocupada em atividades informais. Trata-se de um recorde histórico. A informalidade, na prática, representa remunerações inferiores e instáveis e uma necessidade maior de serviços gratuitos, especialmente nas áreas da educação e da saúde.

“A realidade brasileira atual do mercado de trabalho fará com que as demandas sociais cresçam muito nos próximos anos”, alerta o supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em Brasília, Max Leno de Almeida.

 “As formas de contratação, de admissões e desligamentos, os vínculos existentes ou não, tudo isso vai, na prática, reduzir a renda das famílias, que precisarão da presença do Estado na vida delas”. Os planos de saúde, por exemplo, que tornaram-se muito caros diante da fragilização dos orçamentos, devem subir mais ainda, prevê Max Leno. E as pessoas vão ter que procurar o SUS.

 

 


 



DIREITOS COMPROMETIDOS
A discussão fundamental por trás da relação entre o número de servidores públicos que o país precisa ter na ativa e o aumento das demandas sociais envolve a maneira como o Estado se faz — ou se fará — presente na vida das pessoas.

As várias reformas previdenciárias têm intensificado as aposentadorias na categoria, onde também a idade média é elevada, o que significa que, sem reposição, o quadro de servidores experimenta uma tendência natural de encolhimento. É o caso da reforma específica para os servidores, de 2003, que entre outras medidas, acabou com o direito de o servidor se aposentar com o último salário da carreira (a chamada integralidade) e com reajustes iguais aos da ativa (paridade), e previu ainda a limitação do benefício ao teto do INSS, desde que fosse criado um fundo de Previdência complementar para que os servidores tivessem a chance de incrementar a aposentadoria, que veio a ser regulamentado em 2013.

Com isso, a estrutura que já tem ficado comprometida nos últimos anos pode se tornar ainda menos eficaz. Especialmente frente às restrições impostas pela Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gastos), que limita a variação das despesas primárias do governo federal ao índice da inflação do ano anterior. Mesmo sem a EC 95, os ingressos por concurso já vêm caindo: 33,7 mil, em 2014; 21,6 mil em 2015; e 20,8 mil em 2016.

 

 



A acusação de que o funcionalismo público recebe supersalários é outro argumento fantasioso e recorrente utilizado em larga escala pela mídia para indispor a sociedade com os servidores. Estudo da Afipea, com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) 2015, do Ministério do Trabalho, mostrou que uma parcela ínfima no conjunto de servidores extrapola o teto constitucional — somando salários e abonos diversos. Considerando as diversas esferas, estes casos fora da curva representam 2,93% do Legislativo Federal, área de maior ocorrência, e apenas 0,5% no Executivo Federal (ver tabela ao lado).

Os raros casos de salários acima do teto legal não se encontram absolutamente na prestação direta de serviços públicos à população, como querem fazer crer os economistas neoliberais, entre eles o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Não beneficiam, por exemplo, os profissionais que atuam em postos de saúde, nem professores estaduais e municipais, que são os grandes contingentes de servidores públicos. Nos estados e municípios, o estudo revelou que a média salarial é até inferior à do setor privado. “É criminoso, para não dizer outra coisa, apontar o dedo e dizer que este servidor é responsável pelo aumento do gasto público”, critica González.

Dois aspectos importantes caracterizam as diferenças entre salários do setor público e privado: a disparidade dentro do próprio conjunto do funcionalismo — a “dispersão salarial” —, e o perfil próprio dos profissionais, construído a partir dos processos de ingresso, por meio de concursos. A dispersão salarial acontece, na avaliação de Gonzalez, porque algumas áreas têm maior poder de pressão e, com isso, negociações mais favoráveis.

Segundo estudo do Ministério do Planejamento, um funcionário da  Agência Brasileira de Inteligência (Abin), por exemplo, recebe entre R$ 16,2 mil e R$ 24,1 mil por mês, no topo da pirâmide, onde estão 23% do funcionalismo que ganha acima de R$ 12,5 mil. Na outra ponta, professores universitários, com carga de 20 horas semanais, recebem R$ 2,2 mil mensais em início da carreira. Os servidores que ganham até R$ 5,5 mil são 30% do funcionalismo, sendo que muitos destes recebem vencimentos abaixo de R$ 1,4 mil. E somente 18% têm remuneração entre R$ 9,5 mil e R$ 12,5 mil.


DESPESAS EQUILIBRADAS
Sob qualquer parâmetro de análise, os gastos com a folha de pagamento do setor público estão longe de serem os culpados pelos problemas das contas nacionais. Representaram 4,6% do PIB em 2017, quando a produção interna do país cresceu apenas 1%. Já se a análise for feita levando em conta a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o equilíbrio neste item também é evidente. A LRF estabelece limite de 50% da receita corrente líquida para as despesas com pessoal — que representaram apenas 42% em 2017. Lembrando que a receita corrente é composta pela arrecadação de tributos, prejudicada pelo desaquecimento da economia.

Sob a ótica internacional, o supervisor técnico do Dieese destaca que as despesas totais estão próximas da média da OCDE. No Brasil, cresceram, em média, 10,5% entre 2010 e 2015, para 10% nos outros países. Mesmo este crescimento foi provocado, em grande medida, por determinações do Tribunal de Contas da União, na tentativa de recompor o desmonte promovido no governo Collor, quando 110 mil servidores foram demitidos, e reverter as terceirizações massivas feitas no governo de FHC.

Max Leno chama a atenção para os impactos do encolhimento da estrutura: “Ficam algumas preocupações sobre a maneira como as despesas de pessoal serão tratadas daqui para frente, mesmo à luz do fato de que elas não são o vilão das contas públicas. Seja na avaliação global, comparando com a produção, seja nos aspectos jurídicos da responsabilidade fiscal, na comparação das despesas ou com padrões internacionais, temos um retrato bastante abrangente de equilíbrio.”

O orçamento público, instrumento no qual essa abordagem política é expressa, tem, neste sentido, um papel crucial que nem sempre é percebido pela sociedade. “Ele é de extrema relevância do ponto de vista dos anseios dos governantes, mas também da sociedade, que tem agido pouco levando em consideração o orçamento como elemento político, para dentro do qual se deve extravasar o conjunto das demandas sociais.”

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2019 já foi encaminhado ao Congresso pelo governo Temer. Em abril do ano que vem, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) precisaria então estar votada com todos esses elementos definidos para as políticas públicas que virão. Os servidores e a sociedade, que pretendem contar com serviços universais e públicos de qualidade, devem estar atentos.