Page 33 - Sinal Plural 4
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Revista do

     Naquela noite, falamos            Não anotei, mas também não    de lá. Como poderia? Só que
um pouco pelo telefone, rimos     teria adiantado. Meu pai morreria  existe em mim também a perfei-
bastante – que era o que mais     sete meses depois. Não voltaría-   ta noção de que tudo pode mudar
fazíamos juntos –, e eu voltei à  mos ao Maracanã. Não veríamos      de um dia aqui para outro ali.
varanda e reconquistei meu lu-    mais nosso Flu. Não passaríamos
gar no parapeito bem a tempo      mais um ano-novo juntos. Minha          Por isso, quando o dia 31
de assistir à queima de fogos.    lista atirada ao mar.              se aproximar da meianoite, vou
                                                                     fazer o que sempre faço: pensar
     Lembro-me de ter pensa-           Desde então, quando o         em meu pai, desejar que, de al-
do, enquanto as luzes explo-      ano se aproxima do final, co-      guma forma, ele ainda exista e
diam sobre a minha cabeça,        meço a pensar o que deixei de      que esteja me vendo. E, então,
que deveria convidar meu pai      fazer e tento correr para não      nessa minha grande viagem,
para voltar ao Maracanã, por-     começar o próximo período          dizer a ele, entre outras coisas
que fazia tempo que não íamos     endividada. Claro que não há       e com um pouco de sorte, que
juntos ver o Flu. Lembro-me de    como cumprir pretensão tão         nosso Flu escapou bravamente
ter pensado que deveria passar    imbecil: moro em São Paulo,        da segunda divisão.
o ano-novo seguinte com meu       trabalho mais de 12 horas por
pai e minha mãe, já que tinha     dia, sou uma das vítimas do             E assim – desejando o
ficado em Los Angeles nos úl-     sistema e da falta de herança.     Fluminense campeão em 2010
timos seis réveillons. Lembro-                                       e fazendo votos para que pos-
me de ter pensado que deveria          Mas existe em mim um pou-     samos ver pelo menos um po-
perguntar a meu pai como ele      co do meu pai quando entendo       lítico corrupto de algemas nos
encarava o ano-novo quando        que efetivamente nada muda         próximos 12 meses – preten-
tinha a minha idade. Será que     mesmo do último dia deste ano      do entrar no ano que vem aí. E
sempre dessa forma despre-        de cá para o primeiro dia do ano   em outros 55 depois dele.
tensiosa? Será que um dia já
havia gostado? Por que nunca                                                              33
tinha feito essas perguntas a
ele? Tudo isso ia passando pela
minha cabeça enquanto os fo-
gos repicavam no céu. Sem sa-
ber, estava fazendo uma lista
mental de atitudes que iria
tomar no ano 2000. Pensei em
chegar à minha casa e anotar
tudo, para não correr o risco
de me esquecer.
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