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Médicos nas barricadas HISTÓRIA
Moacyr Scliar* Manobras militares da Operação Papagaio (setembro-outubro de 1972) em
Caiano, hoje pertecente ao município de São Geraldo (PA). A área era pro-
A recente greve dos médicos no Nordeste pro- priedade do economista gaúcho Paulo Mendes Rodrigues, também guerri-
vocou muita controvérsia, sobretudo porque se lheiro. Juca manteve uma farmacinha no local
choca contra a tradicional concepção da medicina
como sacerdócio: o doutor seria uma pessoa que Em carta à população, João Carlos cobrava a ausên-
se dedica exclusivamente aos outros, esquecendo cia do Estado na região. Quarenta e dois anos depois,
de si próprio, inclusive no que se refere ao salário. pouca coisa mudou.
Quando os médicos reivindicam da mesma forma (...) O grosso dos impostos recolhidos nos municípios fica re-
como o fazem outras profissões, o espanto é geral. tido pela administração federal e estadual, o que limita as
verbas disponíveis para a realização das benfeitorias necessá-
Mas deve-se dizer que médicos não raro partici- rias. Há grande falta de empregos, sendo em geral os salários
pam, sim, em movimentos sociais, inclusive em muito baixos. Isso leva muitos jovens a deixarem suas famílias
movimentos de caráter francamente revolucioná- para virem ganhar a vida nas cidades maiores e numerosas
rio. Jean Paul Marat, um dos líderes da Revolução moças pobres caírem na prostituição. Mesmo os poucos que
Francesa, era médico, um dos pioneiros no uso da conseguem concluir os cursos ginasial e colegial, se quiserem
eletricidade em medicina. Abandonou suas pes- prosseguir seus estudos, precisam abandonar a região porque
quisas para dedicar-se à política, o que, aliás, lhe lá não existem faculdades.
custou a vida: foi assassinado pela filha de um ad- Assim, a juventude local não tem condições para desenvol-
versário que mandara à guilhotina (inventada por ver sua capacidade de trabalho e não pode colaborar para
um médico, o dr. Guillotin). (...) o progresso de sua terra. Vê-se limitada a uma vida sem
futuro e sem qualquer perspectiva.
Aqui em Porto Alegre tivemos um exemplo de Em algum lugar das matas do Araguaia, 12 de se-
médico revolucionário: João Carlos Haas Sobri- tembro de 1972.
nho. Nascido (1941) em São Leopoldo, João Car-
los foi um aluno brilhante dos colégios São Luiz, João Carlos Haas Sobrinho
de São Leopoldo, São Jacó, de Novo Hamburgo,
Anchieta, de Porto Alegre. Em 1959 ingressou na 37
Faculdade de Medicina da UFRGS. Lembro dele
como um colega sério, digno e muito atuante.(...)
Pergunta: o que leva médicos a deixar consultó-
rios, postos de saúde, hospitais para participar
numa luta mais ampla? Os motivos são vários e
complexos, mas podem estar em parte ligados
à própria opção profissional. O médico é alguém
que trata do corpo do paciente. O político e o re-
volucionário querem curar o corpo social.
*Moacyr Scliar, escritor, professor e médico especialista em saúde pública,
falecido em 2011, nasceu em Porto Alegre em 1937. O artigo acima foi publi-
cado no jornal Zero Hora, em 2007.