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uma cara tão neoliberal que nem o seu mais ferrenho professor”. Lembrar um verso de Drummond, o poeta preferi-
opositor ousara imaginar. E você, que sempre soube de do, na “Elegia 1938”, que usei num longínquo cartão de Natal
onde sopra o vento, parafraseando o filósofo, sentenciou: para defini-lo, e que – depois você me disse – encorajou-o
“Zé, a gente só conhece os homens de verdade quando ainda mais nas lutas que travou:
eles assumem o poder.” E, combativo, arrematou: “Tudo
bem, não liga não, a gente se organiza de novo, recomeça “Coração temeroso,
o trabalho e toca a vida. Um dia, com certeza, dá certo.” tens pressa em confessar tua derrota
em adiar para outro século a felicida-
Queria falar mais com você. Misturar um pouco as muitas de coletiva.
lembranças, as viagens da nossa Caravana Rólidei, as cami- Aceitas a chuva, a guerra, o desem-
nhadas pelo centro do Rio em busca “daqueles” tesouros prego
escondidos nos sebos, bancas e calçadas, a ida ao Caraça,
a Salvador, à Barra do Piraí, à Cantareira, tantos lugares... E o lutas que travou:
seu bairro, a Glória. Onde morou o paulista Mário de Andrade
e onde você era conhecido como “o professor”. Lembrar um e aJáinqujeuost“oautdroissétcruiblo”ucihçeãgoou, você até poderia falar
verso de Drummond, o poeta preferido, na “Elegia 1938”, pdao“prrqemuoeninçãão”odoppooedtae, smassodziriiantahmobédminquaema “iotbarar”
que usei num longínquo cartão de Natal para defini-lo, e
que – depois você me disse – encorajou-o ainda mais nas nefanda daqueles alucinados nada tem a ver com o que
sempre acreditamos ser o motivo que nos levava adiante:
o amor pelas causas da justiça, buscando sempre o bem. A
despeito de o mundo continuar bem hostil ao gênero hu-
mano, e este teimosamente aferrado à tarefa de destruição
(em massa?) do próprio planeta. Dessa insensatez resulta
a necessidade de sermos vigorosamente fortes para resistir,
do jeito que você nos ensinou.
E como terminar uma carta como esta? Primeiro, di-
zendo que você faz uma falta danada. Depois, confirmar
o compromisso de manter acesa a chama do seu exemplo
de vida. E, assim, me despedir mandando um abraço sau-
doso e já sabendo que, onde quer que esteja, esse lugar
estará passando por uma revolução. Porque, com certeza,
você estará muito ocupado organizando o que precisa ser
organizado, reparando o que precisa ser reparado, mudan-
do o que precisa ser mudado, olhando por nós e dando a
maior força. Lembrando-nos, por fim, a mensagem de que
a nossa jornada pela vida deve ser cumprida como uma
missão, com os ingredientes que você sempre abraçou: fé,
amor, entusiasmo e alegria.
José Carlos da Costa, diretor de Relações Externas do Sinal SP
abril 2004 41