Page 41 - PorSinal 10
P. 41

uma cara tão neoliberal que nem o seu mais ferrenho                professor”. Lembrar um verso de Drummond, o poeta preferi-
opositor ousara imaginar. E você, que sempre soube de              do, na “Elegia 1938”, que usei num longínquo cartão de Natal
onde sopra o vento, parafraseando o filósofo, sentenciou:          para defini-lo, e que – depois você me disse – encorajou-o
“Zé, a gente só conhece os homens de verdade quando                ainda mais nas lutas que travou:
eles assumem o poder.” E, combativo, arrematou: “Tudo
bem, não liga não, a gente se organiza de novo, recomeça           “Coração temeroso,
o trabalho e toca a vida. Um dia, com certeza, dá certo.”          tens pressa em confessar tua derrota
                                                                   em adiar para outro século a felicida-
    Queria falar mais com você. Misturar um pouco as muitas        de coletiva.
lembranças, as viagens da nossa Caravana Rólidei, as cami-         Aceitas a chuva, a guerra, o desem-
nhadas pelo centro do Rio em busca “daqueles” tesouros             prego
escondidos nos sebos, bancas e calçadas, a ida ao Caraça,
a Salvador, à Barra do Piraí, à Cantareira, tantos lugares... E o  lutas que travou:
seu bairro, a Glória. Onde morou o paulista Mário de Andrade
e onde você era conhecido como “o professor”. Lembrar um           e aJáinqujeuost“oautdroissétcruiblo”ucihçeãgoou, você até poderia falar
verso de Drummond, o poeta preferido, na “Elegia 1938”,            pdao“prrqemuoeninçãão”odoppooedtae, smassodziriiantahmobédminquaema “iotbarar”
que usei num longínquo cartão de Natal para defini-lo, e
que – depois você me disse – encorajou-o ainda mais nas            nefanda daqueles alucinados nada tem a ver com o que
                                                                   sempre acreditamos ser o motivo que nos levava adiante:
                                                                   o amor pelas causas da justiça, buscando sempre o bem. A
                                                                   despeito de o mundo continuar bem hostil ao gênero hu-
                                                                   mano, e este teimosamente aferrado à tarefa de destruição
                                                                   (em massa?) do próprio planeta. Dessa insensatez resulta
                                                                   a necessidade de sermos vigorosamente fortes para resistir,
                                                                   do jeito que você nos ensinou.

                                                                       E como terminar uma carta como esta? Primeiro, di-
                                                                   zendo que você faz uma falta danada. Depois, confirmar
                                                                   o compromisso de manter acesa a chama do seu exemplo
                                                                   de vida. E, assim, me despedir mandando um abraço sau-
                                                                   doso e já sabendo que, onde quer que esteja, esse lugar
                                                                   estará passando por uma revolução. Porque, com certeza,
                                                                   você estará muito ocupado organizando o que precisa ser
                                                                   organizado, reparando o que precisa ser reparado, mudan-
                                                                   do o que precisa ser mudado, olhando por nós e dando a
                                                                   maior força. Lembrando-nos, por fim, a mensagem de que
                                                                   a nossa jornada pela vida deve ser cumprida como uma
                                                                   missão, com os ingredientes que você sempre abraçou: fé,
                                                                   amor, entusiasmo e alegria.

                                                                       José Carlos da Costa, diretor de Relações Externas do Sinal SP

                                                                   abril 2004  41
   36   37   38   39   40   41   42   43   44