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tenho falado com brasileiros que não                           Estado, a infraestrutura produtiva esta-

podem crer, que antes vinham à Argen-                          tal. O governo de Alfonsín tinha muitos

tina e éramos um país muito mais de-                           outros problemas. Um governo que quis

senvolvido do que o Brasil. Não pode-                          abrir processos contra os militares, que

mos seguir acusando o governo militar,                         enfrentou levantamentos militares. E o

que começou a desintegração social,                            Estado, que tinha sido progressista na

a quebra do Estado. A realidade é que                          primeira metade do século XX, já era

não temos conseguido dar respostas às                          um Estado em decadência. Acho que

necessidades da sociedade. O sistema                           não temos conseguido voltar a formular

político não tem respondido bem às                             um projeto de país. Quando o Estado

necessidades de desenvolvimento,                               começou a se degradar, surgiu o con-

de modernização, que a democracia                              ceito de “sem Estado”. Acho que agora

exigiu. Acreditamos que existem certos                         precisamos recuperar a ideia de um

problemas de mau uso dos recursos       Na Argentina,          Estado moderno, sólido, por concurso.
públicos, de conivência entre os seto-  um dos                 ■ Vou ler o artigo 192 da Constituição
res empresariais e sindicais, entre os

governantes, que acabam dilapidando     grandes problemas é    do Brasil, que queremos regulamen-
os fundos públicos. E que a Argentina   que se dá geralmente   tar, que diz: “O sistema financeiro
sistematicamente não aproveite os                              nacional deve estar estruturado para

momentos mais favoráveis, como esta     muito poder aos        promover o desenvolvimento equili-
década, que foi uma década bendita. A   presidentes, e depois  brado do país e servir os interesses
gente vê que todos os países tiveram                           da coletividade.” Isso é o que falta

altas taxas de crescimento, mas nós     nos arrependemos. E    regulamentar, porque o sistema fi-
temos menos petróleo que antes, te-     a culpa é do Menem,    nanceiro tem também a obrigação de
mos mais pobreza. Ficamos atrasados                            repartir riqueza. Bom, isso que vocês

em relação aos outros países.           do Duhalde, do         propõem é interessante, porque aqui
■ Falei do governo militar porque       Kirchner.”             esse debate não está acontecendo.
                                                               Temos visto que nos últimos anos o

existe uma diferença entre o governo                           sistema financeiro na Argentina obteve

militar argentino e o brasileiro em                            ganhos insólitos, porque ainda que

relação aos investimentos na indústria. Do ponto de vista empreste pouco, o spread é tão alto que o lucro é enorme,

da política industrial, os militares brasileiros tiveram uma principalmente para os banqueiros amigos do governo. No

visão de mais longo prazo, com um projeto nacional de entanto, a taxa de bancarização do país é baixíssima. Um

biotecnologia, de indústria petroquímica, nuclear. Aqui, empresário de pequena ou média empresa, um empreen-

pelo que se diz, o parque industrial foi destruído. Esses pro- dedor, precisa de crédito e não consegue.

jetos na Argentina foram sendo formulados no fim do século

XIX e início do século XX e, também, durante o peronismo. ■ Não existem linhas de microfinanças? Sim, mas são ini-

Alguns foram governos militares e outros, civis. Na década de ciativas de programas sociais, não de governo.

1960, nós começamos a ter governos militares e civis de dois

anos – muito caos, violência, agitação social, que acabaram ■ Existe uma ideia por parte do governo brasileiro de fazer

no desastre dos anos 1970. Cada governo foi degradando o que o banco público seja o propulsor desse câmbio. Mas

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