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no à democracia, a Argentina resolveu que a democracia       O que poucos compreenderam nesse momento foi que isso
deveria julgar os militares. É uma política de Estado que    significava que os crimes de lesa-humanidade não podiam
consideramos correta, sim. Foi muito importante, porque      prescrever. O que autorizava o Congresso, que tinha sancio-
ficou claro o que aconteceu na Argentina. Aqui, a comissão   nado essas leis de perdão depois de ter havido condenações,
da verdade se chamou Conadep – Comissão Nacional dos         a derrogá-las. E ela, juntamente com Patricia Walsh, filha de
Desaparecidos. Foi uma grande política de Alfonsín. Alfon-   um escritor e irmã de uma desaparecida política, durante
sín teve muitos tropeços, mas essa foi uma parte muito       muitos anos se sentou no Congresso pedindo a nulidade
importante. E isso deixou estabelecido o que tinha acon-     das leis de obediência devida. E isso não aconteceu. O
tecido durante o governo militar e o terrorismo de Estado.   kirchnerismo, no início do seu governo, acompanhou essa
Inclusive no período anterior. Porque durante o peronismo    iniciativa, o que permitiu reabrir as causas. Mas embora o
também houve esquadrões da morte. Depois, infelizmente,      governo levante esta como uma bandeira própria, o próprio
o próprio Alfonsín teve de promulgar leis de perdão para os  Partido Justicialista impediu, até 2003, a reabertura das
que tinham sido condenados, porque houve levantamentos       causas. O governo assumiu essa bandeira, e achamos que
militares que pressionaram muito. E durante o período de     isso é positivo. Mas também achamos que devemos tomar
Menem ele perdoou ainda mais. Nesse momento, também          medidas, porque os tribunais estão saturados e não vão
concederam-se perdão, leis de anistia ou de perdão, indul-   conseguir responder às expectativas das pessoas. Algumas
tos, a pessoas que já estavam condenadas. E aí entramos      medidas precisam ser tomadas, para que se criem tribunais
numa espécie de zona escura, em um impasse na política       específicos, porque, do contrário, vamos chegar a um mo-
de Direitos Humanos. Na reforma da Constituição de 1994,     mento de desilusão. São causas muito difíceis, de coisas que
Elisa Carrió, a líder do meu partido, que foi constitucio-   aconteceram faz 40 anos. Nós já pedimos, e há projetos de
nalista, pôs dentro da nova Constituição que os tratados     lei para criar esses tribunais especiais, mas curiosamente o
internacionais de Direitos Humanos fossem referendados.      governo resiste a que esses projetos prosperem.

           No retorno à
           democracia,
a Argentina resolveu
deveria julgar os
militares. É uma
política de Estado
que consideramos
correta. Foi muito
importante, porque
ficou claro o que
aconteceu no país.”

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