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da, situação rigorosamente inconcebível nos Estados Unidos rar os três casos mais como favor. A maioria dos entrevistados
e outros países. Segunda: a maioria das situações classificadas nordestinos acha o jeitinho certo, enquanto a maioria dos en-
como corrupção está fora do alcance da maior parte dos bra- trevistados do Sul e do Sudeste o considera errado.
sileiros: enriquecer em cargo público, driblar o Fisco, ter dois
empregos, ou conseguir bolsa de estudos. Quarto, nos casos do presente de Natal e do funcionário
amigo que acelera a expedição do documento, os respondentes
Já aqueles comportamentos classificados como jeitinho (fu- de baixa renda tenderam a vê-los mais como favor, enquanto
rar fila no posto de saúde, na matrícula escolar ou no banco) os entrevistados de renda mais alta encararam ambas as situ-
se enquadram nos horizontes da maioria das pessoas, ricas ou ações sob a ótica menos benigna do jeitinho.
pobres, famosas ou anônimas. Em contraste com a corrupção,
que envolve o nexo impessoal do dinheiro, o jeitinho manipula Quinto, a tolerância à corrupção tende a diminuir com o
relações pessoais, ao alcance de todos. aumento do nível de escolaridade.
Por último, a Pesb submeteu a uma prova de fogo os con- Mas em dois casos (expedição mais rápida do documen-
flitos e as ambigüidades que marcam a nossa moral coletiva to e liberação do empréstimo), quando se passou do nível de
traduzidos nas diferenças demográficas, socioeconômicas e escolaridade média para o superior, houve uma diminuição
regionais das respostas dadas a três situações críticas. Embo- na proporção dos que afirmam tratar-se de corrupção e um
ra classificadas predominantemente como jeitinho (as duas simultâneo aumento dos que se dispõem a encarar ambas as
primeiras) ou corrupção (a terceira), elas produziram alto grau situações como jeitinho. Ou seja: a elevação do nível de es-
de discordância entre os entrevistados: colaridade é condição necessária, porém insuficiente para for-
talecer a intolerância à corrupção.
− Pedir a amigo funcionário público para tirar documento
mais rápido que o normal. Boa parte dos conflitos que dilaceram o cotidiano dos bra-
sileiros resulta da oposição entre o jeitinho, que é muito difun-
− Pessoa consegue empréstimo oficial, que demora a dido e enraizado, de um lado, e a grande discordância quanto
sair. Ela recorre a parente no serviço público para liberar logo ao seu julgamento moral, de outro.
o dinheiro.
A universalização da cidadania depende de um firme consenso
− Funcionário público recebe presente de Natal de empre- da sociedade acerca das regras que diferenciam o certo do errado,
sa que ele ajudou a ganhar um contrato no governo. regras perante as quais todos, sem exceção, sejam iguais.
Os jovens tenderam a considerar as três situações mais A Pesb comprovou que quanto maior é a aceitação do jei-
como corrupção do que os idosos. A contradição com um tinho, maior é a tolerância à corrupção. Afinal, entre furar uma
resultado anterior é apenas aparente: se a nova geração usa fila e roubar dinheiro público, a diferença é de gravidade, mas
mais o jeitinho ao mesmo tempo que o condena, isso, prova- não de natureza das ações: em ambos os casos, regras ou
velmente, se deve ao fato de que encontra, hoje em dia, um leis foram violadas.
leque limitado de oportunidades.
Todos nós somos, agora, desafiados a dar o exemplo olhan-
Em segundo lugar, quem mora na capital foi mais incisivo do corajosamente no espelho dessa pesquisa. Chega de auto-
na condenação dos três casos como corrupção do que quem ilusão! Existe um elo íntimo e fatal entre o jeitinho nosso e a
mora no interior. corrupção “deles”. Quem se atreverá a cortar esse nó?
Terceiro, o Nordeste se singulariza entre as demais regiões (*) Senador pelo PDT-AM e membro da CPI dos Correios
do país no sentido de que seus habitantes tenderam a conside-
novembro 2005 19