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ARTIGO SENADOR JEFFERSON PEREZ*
Corrupção, problema nosso
Neste momento, a esfinge da crise éti- Na seqüência, o questionário pediu
co-política nos desafia com seu enigma: ao entrevistado que classificasse um
se todos – ou quase todos – repudiam a elenco de 19 situações hipotéticas em
corrupção, por que continua sendo tão di- três categorias dispostas em gradação:
fícil combatê-la e puni-la? o benigno “favor”, o ambíguo “jeitinho”
e a maligna “corrupção”.
Nós, brasileiros, temos agora a opor-
tunidade de enfrentar essa questão com O favor foi claramente identificado nas
apoio em evidências factuais sistemati- seguintes situações: emprestar dinheiro a
camente quantificadas pela Pesquisa So- um amigo (90%); emprestar uma fôrma
cial Brasileira (Pesb), estudo científico de de bolo ao vizinho (89%); deixar passar
campo realizado pelo instituto Data UFF na fila do supermercado quem tem pou-
em 2002, sob a coordenação do cientis- cas compras (67%); guardar lugar na fila
ta político Alberto Almeida, envolvendo para outra pessoa (62%).
amostra probabilística de abrangência nacional, composta de Os respondentes não hesitaram em rotular como corrupção
2.364 entrevistados. cinco tipos de comportamento: usar cargo no governo para en-
riquecer (90%); dar dinheiro ao guarda de trânsito para não ser
Os resultados impõem uma reflexão séria e madura acerca multado (84%); descobrir maneira de pagar menos impostos
dos costumes na verdade dos vícios – que nutrem e eternizam a sem que o governo perceba (83%); ter dois empregos, mas
corrupção em nosso país. A chave para compreender sua insidio- só trabalhar em um (78%); ter emprego e bolsa de estudos ao
sa onipresença reside em que ela se manifesta cotidianamente mesmo tempo, o que é proibido (74%).
sob a forma aparentemente inocente do jeitinho brasileiro – que Foram cinco os comportamentos nitidamente carimba-
o prof. Almeida define como aquela vasta “zona cinzenta” que dos como jeitinho: o gerente do banco ajuda um conhecido
obscurece a noção do certo e do errado, porque, no Brasil, nos a passar na frente da fila (56%); o conhecido do médico pas-
acostumamos a julgar o certo e o errado em função das circuns- sa na frente da fila no posto de saúde (50%); mãe conhece
tâncias, o que varia de caso para caso. funcionário da escola e fura fila da matrícula (50%); pessoa
consegue empréstimo oficial, que demora a sair. Ela recorre
Segundo a Pesb, o grosso da população brasileira não se limita a parente servidor público para liberar logo o dinheiro (45%);
a tolerar o jeitinho, mas o utiliza amplamente no dia-a-dia. pedir ao amigo funcionário público para tirar documento mais
rápido que o normal (43%).
Perguntados se, alguma vez na vida, os entrevistados de- Cabem aqui duas observações importantes. Primeira: ao
ram um jeitinho em proveito próprio ou em benefício de al- contrário dos empréstimos de dinheiro ao amigo e da fôrma
guém, dois terços responderam que sim. É provável que esse ao vizinho, que se esgotam numa relação bilateral de favor
percentual seja mais elevado. Muitos dos informantes com privado, a fila é um espaço público, onde as posições são de-
pouca ou nenhuma escolaridade manifestaram ignorar o sen- terminadas pela ordem de chegada. Portanto, deixar alguém
tido da expressão “dar um jeitinho”, o que não os impediria de passar na frente porque tem poucas compras, ou “guardar o
aplicá-lo na vida prática. lugar”, equivale à invasão desse espaço por uma lógica priva-
Dado preocupante é que os jovens usam o jeitinho mais fre-
qüentemente que os idosos, o que faz prever que ele e sua irmã
gêmea, a corrupção, terão um longo futuro pela frente no Brasil.
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