Page 18 - Por Sinal 48
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ENTREVISTA
Qual é a natureza da corrupção no Brasil? Mas, por outro lado, nunca se investigou tanto a
O jeitinho brasileiro, eu acho. Aqui vale muito a lei da vantagem. corrupção como agora. Isso não é contraditório?
Somos herdeiros de uma perversa herança colonial e escravocrata Sempre houve desvios e pagamentos de propinas pelas emprei-
que marcou nossos hábitos. A colonização e a escravatura são teiras. Foi assim também no processo de privatização, as cha-
instituições objetivamente violentas e injustas. Então, as pessoas madas privatarias. Na época, a Procuradoria-Geral da República
para sobreviver e guardar a mínima liberdade eram levadas a cor- tinha um engavetador, que já estava oito anos no cargo. Vê se
romper. Quer dizer: subornar, conseguir favores mediante trocas, alguém fica um mandado de oito anos hoje na Procuradoria-
peculato (favorecimento ilícito com dinheiro público) ou nepo- Geral da República? Chegava o processo ao conhecimento
tismo. Essa prática deu origem ao jeitinho brasileiro. Os corruptos deste engavetador e não passava. Faziam investigações, e nada.
são vistos como espertos e não como criminosos que de fato são.
Hoje, é verdade, estão investigando, mas é preciso promover
Como combater a corrupção? a atuação conjunta da Receita Federal e do Banco Central com li-
Pela transparência total e pelo aumento de auditores confiáveis vre acesso aos bancos de dados das duas instituições. Encontrada
que atacam a corrupção. Por exemplo, a Dinamarca e a Holanda alguma irregularidade, essas instituições devem ter acesso aos
possuem cem auditores por cem mil habitantes. No Brasil, temos dados bancários das pessoas envolvidas. A atual legislação sobre
em torno de 12.800, quando seriam necessários pelo menos 160 sigilo bancário, que não permite isto, deve ser modificada.
mil. Segundo a Transparência Internacional, o Brasil aparece
como um dos países mais corruptos do mundo. Sobre 91 países Mas essas instituições já não estão trabalhando
analisados, ocupa o 69º lugar. Aqui ela é histórica, foi naturalizada. juntas?
É atacada só quando o fato já ocorreu e goza de impunidade. Não, cada uma trabalha por conta própria. Por exemplo, a
Receita Federal não pode quebrar sigilo bancário e o Banco
Não há interesse do governo em fiscalizar? Central não pode quebrar sigilo fiscal. Então, não é um trabalho
J á foi diferente? conjunto. O que eles fazem são ações isoladas.
Antes se tinha mais autonomia, melhores condições de
trabalho. Hoje, as pessoas são mais preparadas até, têm mais O Banco Central garante que está trabalhando
ferramentas para investigação, mas faltam condições de fazer em sintonia com a Receita Federal e com outras
as coisas que poderiam fazer melhor. Os avanços tecnoló- instituições e que a situação está muito melhor.
gicos permitem que se faça de forma digital o que antes era Acho que ainda não. Há muita ciumeira. No caso da Receita
manual. Pesquisas, análises, tudo ficou muito avançado. Só Federal e do Banco Central existe a questão salarial. Servidor
que não se põem em prática esses avanços. No Banco Central, do Banco Central, de carreira, que já está no topo, ganha mais
a fiscalização não consegue trabalhar com autonomia. Nas que o da Receita. Só que o auditor da Receita, às vezes, quando
fiscalizações desenvolvidas pelas Regionais, para tudo é entra na carreira, começa ganhando mais.
preciso consultar a sede do BC, em Brasília. Na inspeção de
rastreamento, até para pegar a cópia de um cheque é preci- O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de
so ordem superior. Na Receita Federal, os auditores-fiscais Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/Fatf)
também estão tendo dificuldades em suas atribuições por diz que há uma melhora nas ações do Conselho de
obediência hierárquica. Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Banco
Central, da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da
República. Você não concorda?
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