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ARTIGO
O INTERESSE NACIONAL
ISO SENDACZ Os longos anos da era contemporânea fizeram consoli-
dar três vertentes de pensamento sobre o assunto. A primei-
A presente Constituição da República Federativa do ra, objetivista, tem seu fundamento em Henry Morghentau,
Brasil traz, no mínimo, quatro usos explícitos do cidadão estadunidense de origem alemã. Acreditava ele
interesse nacional: perde a nacionalidade brasileira que o interesse nacional é aquilo que o poder acumulado
o naturalizado que perpetrar atividade a ele nociva; se rele- permite a uma Nação fazer, independentemente do que
vante, permite à União instituir empréstimos compulsórios; outros possam pensar a respeito. Por exemplo, assegurar a
se obedecido, permite à União conceder à exploração por esfera política de influência e o livre comércio internacio-
terceiros os recursos minerais e potenciais de energia hidráu- nais do país a que servia. Base ao modo de relacionamento
lica; e precisa ser observado na disciplina dos investimentos internacional conhecido como “realismo político”, não
estrangeiros no Brasil. No entanto, nem a Carta Magna nem considerava eventual vontade alheia de não se integrar
leis específicas, mesmo aquelas voltadas à regulamentação ao rol de Nações hegemonizadas pelos Estados Unidos
dos assuntos constitucionais em tela, definem em seu corpo da América. Em contraposição, a corrente subjetivista, da
o que seja o interesse nacional e qual é o seu conteúdo, defi- qual Woodrow Wilson foi um dos fundadores, preconiza
nidos para cada quadra da História brasileira. que a vontade do povo é a razão suprema da expressão do
interesse nacional. A intensidade dos conflitos ocorridos
As lições acadêmicas nos indicam que o interesse na- na Segunda Guerra Mundial fez essa linha de pensamento
cional sucedeu o interesse dinástico, ou do Príncipe, próprio ser praticamente abandonada, vez que pouco efeito prático
das monarquias absolutistas que, a seu tempo, foram sucedi- teve então a vontade de viver-se bem e em paz da maioria
das pela construção de Estados democráticos. A organização dos cidadãos, em especial na Europa.
da espécie humana em Nações independentes, de acordo
com a identidade geográfica e cultural dos diversos grupa- Um terceiro caminho, que conta com a simpatia deste
mentos que se iam livrando da dominação real despótica, autor, determina que o mais relevante não são os interesses
trouxe à relação entre os povos a necessidade de se observar em si, mas a existência de um mecanismo estável e demo-
o interesse de cada um em relação aos demais, em especial crático para construí-los enquanto nacionais. O método ado-
os de vizinhança mais próxima. tado permite ao povo expressar a sua vontade e, ao mesmo
tempo, impõe limites ao relacionamento internacional do
Adicionalmente, o conceito de interesse nacional ga- país, considerando igual direito à boa existência das outras
nhou acepção também interna às comunidades, como organizações nacionais da espécie humana.
aquele que não é de grupos ou setores, não é de governo
nem de particulares, mas de toda a Nação, da sociedade No Brasil recente, imperou o modelo objetivista no
nacional por inteira. À ausência de norma precisa, porém, período de ausência de normalidade democrática que su-
muitas vezes o termo é invocado indevidamente, como cedeu ao rompimento da ordem institucional em 1964. A
justificativa para atos públicos que se quer fazer parecer do concepção de interesse nacional baseada no poder acumu-
interesse de todos, mas que na verdade atendem a objetivos lado foi gradualmente alterada entre a anistia de 1979 e a
de grupos interessados em fazer valer os seus próprios e promulgação da Constituição de 1988, quando a terceira
egoístas interesses, em prejuízo de outrem. via ganhou hegemonia entre nós.
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