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CORRUPÇÃO

    OS DESCAMINHOS DA FETRANSPOR

    Num desses descaminhos dos caminhões de dinheiro que             transportadoras de valores para custódia dos recursos ar-
    passeiam pelo país, descobriu-se que milhões de reais teriam     recadados com passagens”, descreve o doleiro, conforme
    saído das garagens de grandes empresários de ônibus do           transcrição que consta de uma petição à Justiça Federal
    Rio de Janeiro, ligados à Federação de Transporte Coletivo       do Rio, assinada pelo Ministério Público Federal, de 28 de
    (Fetranspor), para o bolso de deputados da Assembleia            junho de 2017. O próprio Novis teria aberto essas “contas”
    Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A descoberta    informais para poder movimentar o dinheiro, a pedido da
    faz parte das investigações do Ministério Público e da Polícia   Fetranspor. Os valores eram transferidos das “contas” das
    Federal nas Operações Ponto Final (deflagrada em 3 de julho       empresas para a sua “conta”, e a partir daí encaminhados os
    de 2017) e Cadeia Velha (14 de novembro de 2017). As mes-        pagamentos dos políticos.
    mas transportadoras — Transegur e Trans-Expert — citadas
    nessas operações teriam servido como canais de escape                 Os recolhimentos aconteciam semanalmente nas gara-
    para os recursos não contabilizados que o governo Sérgio         gens dos ônibus e eram controlados em planilhas de débito
    Cabral desviou dos orçamentos de grandes obras no estado.        e crédito com fechamento mensal, onde ficavam registradas
                                                                     as contribuições das várias associadas da Fetranspor ligadas
         Tudo começa quando uma empresa privada ou mesmo             ao esquema, e as caixinhas semanais dos políticos, com os
    um setor inteiro quer comprar um privilégio do poder público,    respectivos saldos. O esquema funcionou de 1990/1991
    dispostos a pagar bem por isso. Como fazer o dinheiro sair da    até 2016, quando os pagamentos teriam sido suspensos
    atividade produtiva, a receita da empresa, e chegar ao agente    devido à Operação Xepa da Força-Tarefa, desdobramento
    do Estado? Em delação homologada no Superior Tribunal de         da Lava-Jato.
    Justiça (STJ) e divulgada em julho de 2017, o doleiro Álvaro
    José Novis afirmou ter sido encarregado pela direção da               A Polícia Federal já realizou, nos últimos anos, investiga-
    Fetranspor de distribuir o dinheiro aos políticos, em troca de   ções específicas no setor de empresas transportadoras de
    benefícios fiscais, tarifários, acertos sobre linhas de ônibus,  valores (ETVs). Na Operação Grande Truque, em outubro de
    entre outros favores feitos pelo poder público aos empresá-      2015, um dos alvos foi a filial pernambucana da Brinks, uma
    rios de ônibus, que, em cinco anos, teriam provocado perdas      das gigantes do setor, com sede nos EUA, que, caso raro,
    de R$ 183 bilhões em tributos ao Estado. Entre outros meios,     também possui autorização para funcionar como corres-
    o delator diz ter recorrido à Transegur (adquirida depois pela   pondente bancário. Na ocasião, o gerente da empresa em
    Prosegur) e à Trans-Expert para coletar o dinheiro ganho com     Recife foi preso e a empresa, processada, por ter ido além
    as passagens dos ônibus das empresas associadas à enti-          de seus limites legais, promovendo operações de câmbio
    dade, levá-lo para as bases das transportadoras de valores       nas suas dependências a pedido de instituições financeiras.
    e, de lá, repassar os totais combinados aos parlamentares.       Mas decisões posteriores da Justiça suspenderam as ações.

         Novis contou que o dinheiro era recolhido pela Transegur         Até motoboys já foram usados para transporte de valo-
    nas garagens dos ônibus, custodiado na sede da mesma ETV         res. Em março de 2015, de acordo com o site da Contraf-CUT,
    ou na da Trans-Expert, e enviado aos políticos mediante or-      o Itaú foi multado em R$ 2,74 milhões, em 12 processos, por
    dens de pagamento, que eram, na verdade, bilhetes de papel       transportar valores acima de 7 mil UFIR para clientes em São
    em que se lia o codinome dos beneficiários. Mesmo quando         Paulo, por meio da empresa Protege, que utilizou motoboys,
    a entrega não era feita pela Transegur, era ela que transferia   quando precisaria ter feito a operação com veículo tradicional
    os valores dos ônibus para a empresa do doleiro (a Hoya          e presença de dois vigilantes, conforme determina a Lei nº
    Corretora de Valores e Câmbio), encarregado então o próprio      7.102/83. O banco teria reconhecido que emitia ordens de
    delator de fazê-los chegar aos deputados “comprados”.            serviço para a Protege, quando era necessário levar nume-
                                                                     rário a um cliente.
         “As empresas de ônibus possuíam ‘contas’ nas

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