Page 12 - PorSinal 56
P. 12
CORRUPÇÃO
OS DESCAMINHOS DA FETRANSPOR
Num desses descaminhos dos caminhões de dinheiro que transportadoras de valores para custódia dos recursos ar-
passeiam pelo país, descobriu-se que milhões de reais teriam recadados com passagens”, descreve o doleiro, conforme
saído das garagens de grandes empresários de ônibus do transcrição que consta de uma petição à Justiça Federal
Rio de Janeiro, ligados à Federação de Transporte Coletivo do Rio, assinada pelo Ministério Público Federal, de 28 de
(Fetranspor), para o bolso de deputados da Assembleia junho de 2017. O próprio Novis teria aberto essas “contas”
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A descoberta informais para poder movimentar o dinheiro, a pedido da
faz parte das investigações do Ministério Público e da Polícia Fetranspor. Os valores eram transferidos das “contas” das
Federal nas Operações Ponto Final (deflagrada em 3 de julho empresas para a sua “conta”, e a partir daí encaminhados os
de 2017) e Cadeia Velha (14 de novembro de 2017). As mes- pagamentos dos políticos.
mas transportadoras — Transegur e Trans-Expert — citadas
nessas operações teriam servido como canais de escape Os recolhimentos aconteciam semanalmente nas gara-
para os recursos não contabilizados que o governo Sérgio gens dos ônibus e eram controlados em planilhas de débito
Cabral desviou dos orçamentos de grandes obras no estado. e crédito com fechamento mensal, onde ficavam registradas
as contribuições das várias associadas da Fetranspor ligadas
Tudo começa quando uma empresa privada ou mesmo ao esquema, e as caixinhas semanais dos políticos, com os
um setor inteiro quer comprar um privilégio do poder público, respectivos saldos. O esquema funcionou de 1990/1991
dispostos a pagar bem por isso. Como fazer o dinheiro sair da até 2016, quando os pagamentos teriam sido suspensos
atividade produtiva, a receita da empresa, e chegar ao agente devido à Operação Xepa da Força-Tarefa, desdobramento
do Estado? Em delação homologada no Superior Tribunal de da Lava-Jato.
Justiça (STJ) e divulgada em julho de 2017, o doleiro Álvaro
José Novis afirmou ter sido encarregado pela direção da A Polícia Federal já realizou, nos últimos anos, investiga-
Fetranspor de distribuir o dinheiro aos políticos, em troca de ções específicas no setor de empresas transportadoras de
benefícios fiscais, tarifários, acertos sobre linhas de ônibus, valores (ETVs). Na Operação Grande Truque, em outubro de
entre outros favores feitos pelo poder público aos empresá- 2015, um dos alvos foi a filial pernambucana da Brinks, uma
rios de ônibus, que, em cinco anos, teriam provocado perdas das gigantes do setor, com sede nos EUA, que, caso raro,
de R$ 183 bilhões em tributos ao Estado. Entre outros meios, também possui autorização para funcionar como corres-
o delator diz ter recorrido à Transegur (adquirida depois pela pondente bancário. Na ocasião, o gerente da empresa em
Prosegur) e à Trans-Expert para coletar o dinheiro ganho com Recife foi preso e a empresa, processada, por ter ido além
as passagens dos ônibus das empresas associadas à enti- de seus limites legais, promovendo operações de câmbio
dade, levá-lo para as bases das transportadoras de valores nas suas dependências a pedido de instituições financeiras.
e, de lá, repassar os totais combinados aos parlamentares. Mas decisões posteriores da Justiça suspenderam as ações.
Novis contou que o dinheiro era recolhido pela Transegur Até motoboys já foram usados para transporte de valo-
nas garagens dos ônibus, custodiado na sede da mesma ETV res. Em março de 2015, de acordo com o site da Contraf-CUT,
ou na da Trans-Expert, e enviado aos políticos mediante or- o Itaú foi multado em R$ 2,74 milhões, em 12 processos, por
dens de pagamento, que eram, na verdade, bilhetes de papel transportar valores acima de 7 mil UFIR para clientes em São
em que se lia o codinome dos beneficiários. Mesmo quando Paulo, por meio da empresa Protege, que utilizou motoboys,
a entrega não era feita pela Transegur, era ela que transferia quando precisaria ter feito a operação com veículo tradicional
os valores dos ônibus para a empresa do doleiro (a Hoya e presença de dois vigilantes, conforme determina a Lei nº
Corretora de Valores e Câmbio), encarregado então o próprio 7.102/83. O banco teria reconhecido que emitia ordens de
delator de fazê-los chegar aos deputados “comprados”. serviço para a Protege, quando era necessário levar nume-
rário a um cliente.
“As empresas de ônibus possuíam ‘contas’ nas
10