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ARTIGO   PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

        Vulnerabilidade externa:
        o papel do Banco Central

            Nos últimos anos, a economia brasileira tem experimentado uma suces-       ênfase especial aos déficits fiscais e ao crescimento da dívida pública. De
        são de graves crises cambiais. Foi o que aconteceu em 1995, 1997, 1998, 1999,  acordo com esse ponto de vista, um ajuste fiscal insuficiente ou baseado em
        2001 e 2002. Em todos esses anos, tentativas de retomada do crescimento        medidas de caráter temporário teria levado ao crescimento da relação dívi-
        foram abortadas por surtos de instabilidade no setor externo da economia.      da/PIB e a dúvidas quanto à capacidade de pagamento do governo brasilei-
                                                                                       ro. Essas dúvidas levariam à fuga de capitais e, conseqüentemente, a crises
            A freqüência e intensidade das crises de balanço de pagamentos têm         de balanço de pagamentos. Para resolver o problema da vulnerabilidade, o
        sido impressionantes, mesmo para um país como o Brasil, cuja história          fundamental seria reforçar o ajuste fiscal, aumentando o superávit fiscal
        econômica é marcada, como se sabe, por episódios recorrentes de estrangu-      primário, e garantir a sua “sustentabilidade” mediante reformas estruturais
        lamento externo. A que atribuir a intensificação desse tipo de crise no        (notadamente a previdenciária e a tributária).
        passado recente?
                                                                                           Essa abordagem parece pouco promissora. A relação de causalidade
            Choques internacionais                                                     da dívida pública para as contas externas existe, sem dúvida, mas é
            Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a tendência das               provavelmente bem mais fraca do que a relação inversa, que vai do
        autoridades brasileiras era culpar a evolução adversa do quadro mundial,       desequilíbrio externo para as contas públicas. A pressão do desequilíbrio
        em especial as turbulências produzidas pela “globalização financeira”. Há      externo sobre a taxa interna de juro e a taxa de câmbio explica – e de
        um elemento de verdade nessa explicação. Com o extraordinário cresci-          forma bastante direta e evidente – grande parte do desequilíbrio fiscal e
        mento do volume e da velocidade das transações financeiras internacio-         do crescimento da dívida pública desde 1994.
        nais, aumentou o potencial de instabilidade associado a desequilíbrios
        financeiros e cambiais. É verdade, também, que as crises por que passou            Várias das economias “emergentes” que sucumbiram a choques exter-
        a economia brasileira no período 1995-2002 estiveram quase sempre              nos ou sofreram graves crises cambiais nos anos recentes exibiam contas
        ligadas a choques de repercussão internacional: o colapso do México (1994-     públicas ajustadas e eram elogiadas urbi et orbi por sua performance fiscal.
        1995), a crise no leste da Ásia (1997-1998), a moratória da Rússia (1998),     Por exemplo: México em 1994-1995 e Tailândia, Indonésia e Coréia do Sul em
        a agonia e o colapso do currency board da Argentina (2001-2002), ataques       1997-1998. Nesses casos, a deterioração das contas públicas foi conseqüên-
        terroristas, o estouro da bolha especulativa no mercado de ações e os          cia e não causa do colapso cambial e financeiro.
        escândalos corporativos nos Estados Unidos (2001-2002).
            No entanto, a explicação que ressalta o papel dos choques externos não é       Inversamente, países que foram pouco afetados pelas turbulências fi-
        inteiramente convincente. Nenhuma dessas crises teve dimensões verdadeira-     nanceiras internacionais tiveram performance fiscal muito fraca (Índia) ou
        mente globais. Diversos países importantes, inclusive na periferia do sistema  duvidosa (China). Não por acaso, a Índia e a China mantiveram déficits
        internacional, atravessaram esses episódios basicamente incólumes. China e     pequenos ou até superávits no balanço de pagamentos em conta corrente,
        Índia, por exemplo, registraram altas taxas de crescimento econômico durante   moedas não-conversíveis, controles sobre os movimentos de capital e níveis
        todo o período. Depois da Argentina, o Brasil foi, entre os grandes países da  geralmente elevados de reservas internacionais.
        periferia, o que se revelou mais suscetível a choques internacionais.
                                                                                           Fragilidade das contas correntes
            Ortodoxia fiscal                                                               Parece claro que há algo de suspeito na ênfase que se dá às contas
            É difícil escapar da conclusão de que a explicação precisa ser buscada     públicas e ao papel explicativo da política fiscal. A hipótese mais plausível é
        primordialmente no âmbito nacional. Aceita essa conclusão, há basicamente      também a mais intuitiva: a explicação para a vulnerabilidade externa deve
        duas formas de abordar o problema. A abordagem mais ortodoxa, que              ser encontrada fundamentalmente na situação das próprias contas externas
        parece ser a de alguns integrantes da área econômica do governo Lula, dá       do País – e aqui o papel do Banco Central é decisivo.
                                                                                           Desde 1995, a fragilidade das contas externas brasileiras é fruto de três
                                                                                       fatores principais: 1) o elevado déficit em conta corrente (até 2001); 2) a

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