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excessiva abertura da conta de capitais; e 3) um nível de reservas interna-     que adequado de reservas internacionais, que constituem a primeira linha
cionais em geral bastante inferior ao recomendável. Tenho escrito repetida-     de defesa em conjunturas de instabilidade. Depois da crise de 1999, as
mente a respeito desse problema desde o início do Plano Real; minha             reservas nunca chegaram sequer perto de um montante que possa ser
tentativa mais recente de analisá-lo e sugerir formas de resolvê-lo foi         considerado seguro, em face do potencial de instabilidade existente no
publicada no ano passado1.                                                      Brasil e no resto do mundo.

    O Brasil fez algum progresso de 1999 em diante, basicamente como                O papel do Banco Central
resultado do abandono do malfadado regime de bandas cambiais e da                   A solução do problema da vulnerabilidade externa não requer medidas
passagem para a flutuação. A depreciação registrada desde então, e sobre-       drásticas ou extremas. A situação brasileira é inegavelmente frágil, mas não
tudo em 2002, resultou em forte aumento do superávit da balança comercial       chega a ser emergencial.
e queda no déficit em conta corrente. Desde 2002, a velocidade do ajusta-           É indispensável, entretanto, promover uma reorientação da política eco-
mento da conta corrente vem superando todas as expectativas.                    nômica. Essa reorientação não será possível sem tomar distância dos pre-
                                                                                conceitos e dos grupos de interesse que comandaram a formulação da
    Porém, o problema está longe de resolvido. O ajustamento da conta           política econômico-financeira no Brasil desde o início dos anos 90. Nos
corrente está sendo produzido, em grande medida, por fatores não desejá-        últimos dez anos, decisões vitais foram tomadas à luz das prioridades e
veis, como a estagnação do nível de atividade econômica, a subvalorização       interesses do sistema financeiro interno e externo, contrariando não raro os
do real e a contração da oferta de financiamento externo às importações. O      interesses maiores do País, da sua segurança externa, da sua independência
grande desafio é manter um elevado superávit comercial e um déficit em          e das suas possibilidades de crescimento.
conta corrente em nível reduzido com a economia crescendo em ritmo                  A contribuição do Banco Central é essencial para viabilizar uma estraté-
adequado (em termos de geração de empregos) e a taxa de câmbio mais             gia consistente e sustentável de autodefesa do País e de recuperação da
próxima de uma posição razoável (mais compatível com o controle da              autonomia da política econômica. Dele dependem a administração da polí-
inflação e do ritmo de crescimento da dívida pública).                          tica cambial, o nível das reservas internacionais, a regulação do mercado de
                                                                                câmbio e o controle das relações financeiras externas da economia e dos
    Conta de capitais e reservas internacionais                                 movimentos de capital.
    O ajuste da conta corrente não é condição suficiente para resolver o            Tudo se tornará mais difícil, talvez impossível, com um Banco Central
problema da vulnerabilidade externa. O segundo aspecto do problema,             autônomo, comandado por pessoas da confiança dos mercados financeiros
raramente destacado, está na conta de capitais autônomos do balanço de          protegidas pela estabilidade no emprego associada a mandatos fixos e
pagamentos. Desde o governo Collor, em nome da liberalização e da “mo-          relativamente longos.
dernização”, o Brasil afrouxou os seus controles sobre os fluxos financeiros e      O Brasil, que já teve uma das economias mais dinâmicas do mundo, não
de capital, ficando mais vulnerável a movimentos especulativos e às acen-       cresce de forma sustentada há mais de vinte anos. Estamos agora correndo
tuadas oscilações dos mercados internacionais. Descuidou de administrar de      o risco de experimentar uma terceira década perdida em termos de expan-
forma rigorosa o perfil da dívida externa privada. Aceitou a generalização de   são econômica e geração de empregos. Para que isso não aconteça, é
práticas e cláusulas contratuais que permitem a antecipação de pagamentos       essencial colocar a solução do problema da vulnerabilidade externa no topo
e conduzem, portanto, a perda de controle sobre a estrutura de vencimentos      das prioridades do governo brasileiro.
da dívida externa. A liberalização financeira externa facilitou, também, a
saída de recursos de capital pertencentes a residentes no Brasil. Aumentou,        (*) Economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos
assim, a fuga de capitais domésticos em momentos de turbulência e pânico,                              Avançados da USP e professor da FGV-EAESP.
contribuindo para surtos de instabilidade cambial. Em 2002, esses problemas
vieram à tona com grande intensidade.                                           1. “Vulnerabilidade Externa da Economia Brasileira”, Estudos Avançados,
    O terceiro aspecto do problema da vulnerabilidade externa, que              volume 16, número 45, maio/agosto 2002.
tampouco tem recebido a atenção merecida, é o nível das reservas do País
em ativos de liquidez internacional. Reservas elevadas, combinadas com
políticas econômicas prudentes, representam poderoso fator de dissuasão
de apostas contra a moeda nacional. O Brasil não tem mantido um esto-

                                                                                abril 2002  15
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